O ARTISTA

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"O teatro me ensinou a vida ;

A arquitetura o espaço ;

O ensino a sinceridade ;

A pintura a solidão."

 Flávio Império, 1974

Cenógrafo reconhecido como um dos mais importantes profissionais do país, seja em âmbito nacional como internacional, Flávio Império (1935-1985) atuou de forma determinante na renovação da linguagem cênica moderna e contemporânea. Desde suas primeiras experimentações no palco percebe-se o traço particular do artista, tanto em sua atuação como cenógrafo e figurinista, quanto em suas incursões como diretor, denotando especial domínio da dinâmica da cena em todos os elementos de sua composição.

Artista completo e, por excelência, multidisciplinar, encontrou na matéria dramática a síntese de expressão das experiências empreendidas nas diversas áreas da criação em que atuou. Arquiteto, diretor, cenógrafo, figurinista, artista plástico e professor, Flávio Império destacou-se em cada uma das formas artísticas que experimentou. Entrelaçando-as de maneira original propôs a inovação da linguagem nos diversos campos de expressão, numa visão humanista do papel do artista e sua obra. 

Flávio foi o primeiro cenógrafo com quem trabalhei. Ele já trazia o conceito da inexistência de fronteiras entre o teatro, a arquitetura e o urbanismo. E assim, já revolucionara totalmente a idéia de espaço cênico.  

José Celso Martinez Correa, Exposição REVER ESPAÇOS – Centro Cultural São Paulo, 1983.

Como diretor, cenógrafo e figurinista, área em que obteve maior reconhecimento público, reviu conceitos e reinventou o espaço cênico junto a grupos inovadores como o Teatro de Arena e Teatro Oficina dos anos 1960, ao lado de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e José Celso Martinez Correa; viveu experiências com o Living Theatre, em visita ao Brasil, aproximou-se dos tropicalistas, recriando a cena de shows musicais na parceria com o diretor Fauzi Arap e a intérprete Maria Bethânia. Nos palcos italianos desenvolveu projetos junto a diretores teatrais como Flávio Rangel, Fernando Peixoto, Fauzi Arap, Juca de Oliveira, Paulo José e Celso Nunes em montagens memoráveis, além de aventurar-se na concepção, direção, cenografia e figurinos de espetáculos de dança junto ao Balé da Cidade de São Paulo. No cinema colaborou com roteiros, cenografia e figurino de longa metragens, entre eles O profeta da fome de Maurice Capovilla, de 1969, além de seus próprios filmes documentais em super 8mm. Explicitando grande apuro conceitual, técnico e estético, recebeu os mais importantes prêmios de cenografia e figurino, totalizando mais de 20 estatuetas ao longo de sua carreira.

Eclético, plural, polivalente, sempre pronto a dar ao espaço uma configuração expressiva, avessa ao prosaico, ao banal, ao instituído. Como artista plástico atuou nas áreas de desenho, pintura, objetos, serigrafia e litografia, produzindo vasta e significativa obra. Teve participação ativa entre os que revolucionaram a cena artística na segunda metade dos anos 1960 ao lado de artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antonio Dias, Renina Katz e Claudio Tozzi, entre outros, figurando em exposicões marcantes como Opinião '65, Proposta '65 e  Nova Objetividade Brasileira (1967). Em 1967 participou da III Bienal Americana de Arte, em Córdoba, Argentina. Desde o início das anos setenta, apresentou exposições com conjuntos de objetos espaciais experimentais e as "exposições-oficinas" que incluem, no espaço expositivo, os processos e técnicas de obtenção das imagens produzidas.

Como arquiteto, iniciou-se  no escritório de Joaquim Guedes, para, em seguida compor com os colegas Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro o o que veio a ser denominado "Grupo Arquitetura Nova", marcado pela busca de uma "poética da economia" na construção, tornando-se também uma referência na área.

Como professor, organizou cursos pioneiros como o de cenografia na Escola de Arte Dramática, e, junto com Flávio Motta e Sérgio Ferro, de formação de professores de desenho na Fundação Alvares Penteado. Por quinze anos desenvolveu a percepção e sensibilidade dos estudantes de arquitetura, com Renina Katz e Haron Cohen,  em cursos de comunicação visual e desenho, na FAU-USP e na Faculdade Belas Artes de São Paulo.

Na pintura era pintor, na gravura, gráfico, no desenho, desenhista. Conhecia as particularidades de cada técnica e suas possibilidades como linguagem. Flávio era ágil na construção e na decifração dos significados da linguagem visual. Articulado verbalmente, fluente na escrita, era dotado de apurado pensamento visual, qualidades que fizeram dele um professor completo.

Renina Katz, catálogo da Exposição Flávio Império em cena. Sesc Pompéia, 1997.

Revela-se como característica marcante de seu trabalho a prática permanente da pesquisa, tanto teórica como experimental, sustentando sua constante renovação de linguagem e campos de expressão. A partir dessas considerações, o presente site foi concebido como introdução aos caminhos trilhados por Flávio Império na composição de seu trabalho. Aprofundando a faceta mais conhecida ao grande público, isto é, a de homem de teatro imprescindível, além de sua contribuição no campo da arquitetura, desvenda também aspectos menos reconhecidos, como sua intensa e instigante produção plástica, ou ainda o significado de sua atuação no âmbito do ensino acadêmico. Aspectos fundamentais para a compreensão de uma época da qual Flávio foi, sem dúvida, protagonista inesquecível.

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