nasci no Bexiga e lá me criaram,
por certo, um dia, eu virei “arquiteto”,
depois “professor”,
depois “cenógrafo”,
depois “pintor”.
desenho desde criança
o teatro me ensinou a vida;
a arquitetura o espaço,
o ensino a sinceridade,
a pintura a solidão.
o teatro me fez amigo da multidão
a arquitetura me fez amante da terra, da água, do ar, da lua, da cor,
da matéria, do fogo, do som.
o ensino me fez aluno da mansidão.
a pintura é meu diário, sem segredos, da peça que sou
atuante e autor.
pinto só o que sinto
pinto só o que vejo com todos os meus sentidos.
não pinto em vão, sonho com a hora de alguém sonhar junto, livre,
o que quiser, como quando reconhece num canto o
seu canto e canta.
pinto pra me acompanhar, no fantástico show que a vida me dá.
desde 1970 pinto mais constantemente,
arquiteto meu quarto dentro do quarto que moro (ele é calmo e claro)
arquiteto meu jardim sobre o piso de lajotas que alugo, barato.
Arquiteto meu sonho de uma arquitetura simples e clara,
e calma, com jardins de flores caipiras que, pelas estradas, não custa nada
a muda além de boa conversa e uns bons conselhos sobre a vida
da plantinha, quebradinha que espera na minha mão.
Ela não fica assustada. eu não mato, só planto.
e o que colho?
Ao longo do meu caminho, muitos agradecimentos, conselhos, bons tratos
de gente que gosta de gostar das coisas que a terra dá.
planto e colho prá plantar, prá rimar.
meu pai: Domingos Império
minha mãe : Helena Fausto
filhos de tantos italianos que no Brasil procuraram novo céu.
no Bexiga, 42 anos em dezembro, sob o mesmo céu
escolhido por meus avós.
“respirando o mesmo ar…”
Flávio Império
Trecho de poema publicado no Álbum Flávio Império,1974
FLÁVIO IMPÉRIO