Programação Visual é um nome substitutivo da cadeira anteriormente chamada Comunicação Visual, que por sua vez substituía a cadeira chamada Plástica, que servira para rebatizar a cadeira original que se chamava Desenho Artístico.
Esse passado de reformas sucessivas do nome da cadeira procurou ser acompanhado por sucessivas reformulações de programas em função de vagas definições extraídas apressadamente de orelhas de livros, bem como do hábito profissional de procurar demarcar, no mercado da profissão, uma área bem definida de trabalhos onde reinava uma grande confusão de conceitos sobre o objeto de informação visual que acompanhava o produto-mensagem.
Não teria sentido pensar-se em assinar um contrato de trabalho, por exemplo com a companhia do Metrô sem deixar bem claro que não era "artístico" mas "técnico" o trabalho encomendado.
Tenho o mesmo preconceito tanto pelo "artístico" como pelo "técnico", embora saiba que fazem parte de uma ação global cuja síntese os inclui, sem antagonismos. Se de cada parte tirarmos o ranço que se acumula tanto sobre o "artística", desde que se começou a falar nisso, quanto do "técnico", desde que se transformou numa chave mítica e mágica de manipulação da ignorância do nosso tempo.
Sem nome, ou chamada de João da Silva, a linguagem visual tecnistética pragmática, se assim quiserem, não foi descoberta hoje. Foi rebatizada só. Cada época dá o nome que mais interessa ou expressa os interesses implícitos no rebatismo.
De minha parte eu chamo a cadeira de P.VE: "pelo amor de Deus, veja!" Talvez então você poderá visualizar do que se trata poder ver.
passeie e veja ou
passe e veja ou
pare e veja ou
pense e veja ou
pinte e veja
ou plante e veja ou
pule e veja ou
passe e veja ou
Os cursos de P.V. em geral se limitam ao treino da percepção orientada para o projeto e da sensibilidade para a programação gráfica ou pictórica. Meu processo pessoal de trabalho e pesquisa me leva para além da prancheta: para a ação direta, a manipulação do espaço e do movimento.
Meu corpo abandona a postura sedentária adquirida nos bancos escolares para empreender uma viagem de desbravamento das suas possibilidades de linguagem-manifestação, incorporando dinamicamente os materiais clássicos e os novos materiais que surgem pelo caminho. A respiração, o relaxamento muscular e mental, a expressão psicofísica do movimento, o som aliado ao conhecimento anteriormente adquirido do desenho, da cor, das possibilidades de linguagem do plano, do espaço, do objeto, e da linguagem das máscaras: o jogo dos personagens teatro-vida.
Nessa nova constelação de elementos de linguagem, que não se limita a exprimir isoladamente a resultante super elaborada de uma forma específica de percepção: auditiva ou visual ou gestual, etc., nasce dentro de mim uma necessidade e um impulso cada vez mais forte de treino e experimentação, fora do alcance das aplicações estereotipadas nos campos do consumo profissionais. Daí as aulas, para mim, serem o próprio (ou um dos) campos de elaboração e pesquisa.
As dificuldades que venho encontrando nesta escola para um razoável rendimento poderiam ser reduzidas a três fatores mais abrangentes:
1- falta de uma "sala-laboratório" relativamente equipada para o trabalho. A consequência é uma extrema dispersão causada pelas interrupções, improvisação maior que a indispensável, extrema limitação de meios etc.
2- falta de envolvimento real de aproximadamente 70% dos alunos no aprofundamento de sua experiência universitária de pesquisa.
3- uma alarmante leviandade individual diante da situação existente, na qual dezenas de cadeiras surgem dispersas no curso de seus estudos, mais como obstáculos a serem transpostos mecanicamente do que como fatores indispensáveis à sua formação. Daí uma grande falta de clareza de para que serve cada uma delas em particular. Esse alheamento, a meu ver, decorre de falta de informações básicas que permitiriam um mínimo de estruturação interna para opções mais profundas na montagem de seu curso.
Nesse clima geral de abandono e ausência, sem veículos de comunicação interna e troca de informações básicas, cada aluno vagueia pela rampa e acaba no BAR completamente desorientado, alguns com claros sintomas de catatonia, com a mente dispersa por várias pequenas obrigações aleatórias como provas, trabalhos, fichamentos, listas de presença, de pelo menos dez cadeiras diferentes, separadas e esvaziadas.
0 trabalho proposto pela minha cadeira, nesse clima, sofre o embate de todos esses fatores, já que pretende trabalhar a sensibilidade e a percepção.
Várias manifestações ao nível inconsciente deixaram claro o quadro quase patológico em que o aluno mergulha- sua sensibilidade extremamente bloqueada e sua capacidade de resposta sintética reprimida.
0 treino básico de sua personalidade, já antes do vestibular, se limita a respostas mecânicas, estereotipadas e muito pouco criativas. Diante do jogo burocratizado e fragmentado do seu curso de arquitetura, a soma apressada dos créditos substitui o interesse real por um trabalho efetivo.
São tantos os fatores que entram nesse desconcerto que está por dinamitar qualquer tentativa de coerência interna de qualquer dos cursos. A não ser, evidentemente, os mais elementares.
Mesmo que isto se transforme na sua maneira de viver o arquiteto não deve se surpreender quando verificar que ele é simplesmente um leigo que mora na casa que consegue morar. onde consegue morar, e, a meu ver, deve se esforçar (construindo o que perder) para sentir-se muito bem com isso, ou pelo menos ser indiferente.
Quem se especializa e se aprofunda só num setor da arquitetura que é o do projeto de prancheta, numa sala comum ou bem construída de um escritório moderno não pode se indispor existencialmente com o como a arquitetura é na prática, no seu environment mais próximo: quarto, sala, escritório etc.; e mais amplamente na sua cidade e região; com seus problemas de tráfego, comércio, preços; ficando na "boa morada" que é a imaginação, porque ele sofre muito (a sensibilidade também é especializada) e isso lhe faz mal; isto é; mal a seu corpo. Em primeiro lugar trate bem o seu próprio corpo.
Se possível, perceberás melhor o que fazer com ele, para ele, e para todos os demais.
0 aspecto fundamental do meu curso, isto é, da série de aulas que me cabem é simples: encontrar ou criar as condições nas quais os alunos sintam-se bem construindo seja lá a que for como se já, naquele momento, eles fossem arquitetos, isto é, como leigos que são, esquecessem que estão aprendendo.
Assim, minha experiência de vida me ensina, a gente cria com as mãos-cabeça um rastro menos bloqueado, mais criativo e livre, e creio, mais verdadeiro, como os signos sonoros dos pássaros, dos gatos, signo arquitetônico do João de Barro em particular, do jogo intuitivo que é a repetição arcaica do gesto de construir, seja uma forma-cor, seja um movimento-espaço, seja um grosseiro-singelo e colorido enfeite de papel crepom.
Flávio Império
FLÁVIO IMPÉRIO