PELO SERTÃO
(1981)

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Poema "pelo sertão"
Original manuscrito à caneta
[ca. 1981]

© Flávio Império

pelo sertão
nas estradas

vilas e rios
povoados

cidades matas
caatingas

campinas serras
serrados

o povo habita,
faz tempo.

em mutirão faz seu teto
parentes tribos
vizinhos
refazem fazem repetem
seu tipo de construção.

pau roliço
barro
palha

água
fogo
braço
mão

telha de barro, tijolo
chão batido, coração.

do barro o pote
a panela

do barro o forno
o fogão

do barro a casa primeira
no campo santo, seu chão

favelas despinguelando
palafitas mar entrando
bairros novos
novas vilas

onde encontra um de comer
sobrevive
constrói seu mocó

reside

sem alvará
sem licença
planta
corte

elevação

porém guardam na fachada
o cuidado da aprência
que revele por inteiro
disposição pra decência

seu bom gosto para as cores
habilidade nas formas
nos recortes
nos recheios
nos desenhos
nos floreios

cada casa tem seu dono
cada dono opinião

mesmo roto no fundilho
lava a cara, faz a barba
recorta bem o bigode
retira as sobras dos pelos
das sombrancelhas,
cabelos
bota ruge
põe batom
prende bem com grampo e fita
brilha brinco
brilha olho
rebrilha
colar de ouro, pulseira
brinco e anel

faceira,
a casa é caiada
pelo Natal
cada ano

casca cara
casca casa
desse caroço vida
campo santo do repouso
no santo campo do chão

João de Barro ou  da Silva,
faz sua casa com a mão;
ninguém diz que é arquiteto,
é João.

Flávio Império

FLÁVIO IMPÉRIO

PELO SERTÃO
(1981)