CENOGRAFIA
(1965)

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Cenografia
Revista Acrópole, n. 319
julho de 1965.
Número da revista dedicado à obra dos arquitetos Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro

© Flávio Império

Somos filhos de uma geração que lutou entre si para definir o mundo de nosso tempo. Recebemos de herança um pacote, muito bem embrulhado para presente. Dentro dele uma pomba branca e uma granada. Recusamos os dois. Preferimos o próprio mundo e suas contradições reais. Preferimos o perigo da realidade. “Vivemos num tempo de guerra”. Em tempo de guerra não se dá presentes, nem há tempo para se adotar símbolos esvaziados. Queremos saber e aos poucos descobrimos os significados da guerra. Construímos os nossos próprios símbolos a partir desses significados.

…”O homem de vanguarda opõe-se ao sistema vigente. É o crítico do existente, o crítico do presente. Nunca seu apologista. Criticar o passado é fácil, principalmente quando o regime dominante a isso nos encoraja ou tolera. Não passa de uma solidificação do estado atual das coisas, da santificação da esclerose, de um curvar de espinha dorsal perante a tirania e a imbecilidade” – Eugéne Ionesco.

A participação em arte demanda esforço de teorização e realização que extrapolam o plano do fazer segundo valores aceitos e admitidos como imutáveis.

Parte da premissa de que o objeto apresentado não é final e que é necessariamente inacabado. Não por defeito, mas por decorrência, uma vez que não fixa definitivamente formas, mas trabalha as articulações dinâmicas dos seus elementos agentes.

Entende como agentes, tanto os dados que servem de base às proposições, quanto seus elementos de linguagem, como a percepção e a receptividade do público para o qual se dirige. Modifica-se em função das modificações dos seus componentes.

O movimento do Teatro de Arena de São Paulo é uma experiência realista que surgiu como reação a uma mística formalista que procura fixar e estratificar a interpretação do fenômeno teatral à margem do contexto cultural e social do meio que o produz.

Corresponde a uma ampla necessidade de aproximação, objetivação e esclarecimento dos processos de desenvolvimento do país. Os trabalhos do Teatro de Arena partem desse enfoque para colocar a problemática do homem contemporâneo. Seus erros são responsáveis por muito do seu desenvolvimento.

“Amo o Teatro de Arena em toda a sua impureza” – Carlos Drumond de Andrade.

Suas pesquisas de linguagem foram desenvolvidas sistematicamente através do Seminário de Dramaturgia orientado por Augusto Boal, dos seguidos laboratórios de interpretação e, fundamentalmente, pelo contato direto com o seu público e meio.

Os trabalhos com imagem, a cenografia, acompanharam e participaram do desenvolvimento desse processo.

A utilização da imagem adquiriu caráter estrutural, incorporando elementos da caracterização arquitetônica do espaço, o diálogo da pintura, a comunicabilidade do cinema, da literatura em quadrinhos, do jornal. Explicou-se muitas vezes com grande despudor. Há que fazer frente ao obscurantismo que empacota o século vinte para presente.

Andorra e Ópera dos três Vinténs são dois textos de teatro europeus, ambos espetáculos fora do Teatro de Arena. Foram escolhidos como exemplos para que ficasse mais evidente a universalidade do processo e afastasse certa crítica desavisada e incáuta que procura caracterizar o movimento do Teatro de Arena como regionalista sectário.

Max Frisch e Bertold Brecht são homens de uma mesma fronteira, um suiço e outro alemão. Ambos enfocam a realidade de forma crítica. Brecht critica o mundo burguês capitalista, Frisch o burguês do mundo capitalista. Brecht procura no teatro épico a estrutura de narração mais condizente com sua temática social. Frisch o segue. Ambos apresentam a realidade de forma fragmentada, cujo significado aparece na relação entre as partes. Ambos comentam os acontecimentos, emprestando-lhe visão crítica. Abandonaram a estrutura dramática do encadeamento inevitável. Seccionaram a narração justapondo as frações mais esclarecedoras.

As imagens nesses dois espetáculos tiveram sua configuração também fracionada. Em nenhum momento o espaço se explica de forma naturalista. A unidade “natural” que relaciona os elementos no espaço “real” foi substituída pela descontinuidade. As imagens são tiradas de várias “realidades”, em geral as mais próximas e cotidianas. Sua relação é nova. Estimula a procura de seus novos signficados, que se darão num plano mais geral.

Flávio Império

FLÁVIO IMPÉRIO

CENOGRAFIA
(1965)