“ASSIM VAI O MUNDO E ELE NÃO VAI BEM”
“- O ator viveu seu personagem! Como me emocionei! Era a imitação da vida! Quando chorou, chorei! Quer identificação comigo! A atmosfera era verdadeiramente de magia! etc etc...”
Esta a clássica manifestação do sucesso. Sempre tivemos todas as razões do mundo para achar natural esse teatro aristotélico. A ele, desde sempre, fomos acostumados.
Mas vem um homem: sua obra e pensamento contestam radicalmente essa arte e nos diz, a despeito de todas as traduções, que não devemos entrar a não ser pela metade no espetáculo, de tal maneira que saibamos o que se mostra em vez de sofrermos o que está acontecendo; que o ator exponha essa consciência, criticando seu papel, não o vivendo; que o espectador não se identifique com o herói, pois assim estará mais livre para julgar as causas e encontrar a solução; que a ação não seja imitada, mas demonstrada - o teatro deve cessar de ser mágico para permanecer crítico, o que será a melhor maneira de ser atuante.
Bertolt Brecht abriga-nos, pois, a uma revisão, sem ironia e sem silêncio.
“...Assim vai o mundo e ele não vai bem...” É a frase do Cozinheiro, comentando a canção do sábio Salomão, em Mãe Coragem e é uma constante de Brecht que se manifesta desde o anarquismo vitalizando de Boal até o materialismo dialético do Círculo de Giz Caucasiano.
Na peça que o Arena apresenta, Os Fuzis..., não se elimina o recurso da dramaturgia aristotélica a que o autor recorre, mas é a dramática dialética que funciona. Tudo é perfeitamente lógico. Os acontecimentos vão se sucedendo e nasce uma consciência. Sabemos que em todas as atitudes humanas a ação quase sempre difere da consciência. Mas aqui a conquista de um saber útil e concreto é transmissível, por isso em Mãe Carrar a consciência se transforma em ação.
Brecht quer a crítica social. E, nessa peça, a união do matemático e do poeta explode maravilhosamente contra as forças do fascismo, sem heroismo. Herói, em Brecht, não é o ser alienado, é simplesmente ser o que se é - situação difícil no mundo em que vivemos. É o sujeito e o objeto de uma dialética.
O realismo épico em Mãe Carrar mostra o homem contra o terror. Com a decisão de fazer conscientemente a história, ela liberta-se da passividade das vítimas e não importa, momentaneamente, se sua causa triunfe. A impossibilidade do neutralismo lembra Piscator, quando diz: “Todo collie chinês para ganhar seu pão tem que fazer política internacional”. Brecht é um estudo constante. A Europa o admite como o autor mais significativo do século XX e no Brasil, apesar de ser pouco conhecido, já foi catalogado, com certa graça, de “homem terrível”.
Não se esgota uma obra escrevendo-se num programa. Para nós, a análise de uma peça nunca é completa em um artigo, mas sim no espetáculo.
ANTONIO ABUJAMRA