SOU JOÃO, SOU PEDRO, SOU ANTONIO, 1974

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    Arcelina Helena
    A roupa como forma de arte
    Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 29 maio 1974

    Acervo Flávio Império

    © Flávio Império

    A roupa como forma de arte

    São Paulo (Sucursal) – A experiência começou como brincadeira, uma forma de viver o cotidiano através do corte e da costura de túnicas, saias e blusas. Mas hoje, Flávio Império – arquiteto, professor universitário, pintor, cenógrafo, figurinista, diretor de teatro e de cinema – está levando a sério a nova atividade e faz roupa pra vender. A primeira ideia foi a de organizar uma confecção de bandeiras, com desenhos reproduzidos de silkscreen, vendidas a preços populares. As mesmas matrizes que serviram para as bandeiras estão sendo usadas agora para fazer roupas, que já não chegam para as encomendas.

    A OFICINA

    Em uma casa antiga, Flávio Império, junto com mais quatro amigos – Cláudio Tozzi, Flávio Motta, Amélia Toledo, Cecília Cerroti – construiu um mundo de colchões no chão, tatame, mesas de tábua e barris, caixotes como armários, móveis velhos com coloridos novos, paredes com pinturas e bandeiras. Do lado de fora um pombal, cachorros, uma dote de água natural, um lago com peixes, plantas, árvores e até ratos. A comida é vegetariana e além da nordestina Das Dores, todos também cozinham. - Nós nos dedicamos muito ao cotidiano, cozinhando, lavando, construindo móveis, fazendo roupa, plantando, cuidando de aves e animais. Escolher retalhos, cortar e costurar é uma forma divertida de viver o cotidiano, cada dia mais sacrificado na nossa sociedade, totalmente voltada para o trabalho industrial, para o consumismo, que leva as pessoas a comprarem tudo pronto. Por isso, começamos a costurar – diz Flávio. Das roupas feitas para uso doméstico para uso doméstico, passaram a aceitar encomendas. Hoje, Cecília Cerroti, arquiteta especializada em silkscreen, corta, costura, escolhe os modelos junto com Flávio. Das Dores e sua filha, Socorro, costuram na máquina. Os amigos, quando chegam, sevem de manequim e dão ideias.  Com isso, já fizeram mais de 100 peças, roupas de arte, que serão vendidas durante os três dias da festa de São João, com fogueira e tudo, na casa de Flávio, a partir do próximo 31 de maio. Flávio Império que já leciona artes visuais na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo há 13 anos, já trabalhou em arquitetura durante sete anos e é responsável por projetos de várias escolas e residências na capital e no interior paulista. No ano passado, fez o roteiro, cenografia e direção da peça musical Labirinto – Balanço da Vida. Atualmente está preparando, junto com Fauzi Arap, o próximo show de Maria Bethânia, no Rio. Como pintor, tomou parte em várias exposições nacionais e internacionais em Córdoba, Lima, Bogotá, Caracas e México. Como cenógrafo, participou da VII Bienal e entre os prêmios conquistados, incluem-se três Saci, um Jaboti, quatro Governador do Estado, dois Molière, além de medalha de ouro na X Bienal. Hoje, no entanto, Flávio Império não acredita muito nas perspectivas de realização para o artista: “Há uma euforia de consumo que leva as pessoas a se interessarem cada vez por tudo que é industrializado. Todos trabalham para comprar tudo pronto, porque as pessoas já não se sentem capazes de produzir ou criar nada. Fazer roupas é assim uma forma de levar arte às pessoas, de mostrar que na produção artesanal também há realização. 

    ARCELINA HELENA

    SOU JOÃO, SOU PEDRO, SOU ANTONIO, 1974