ARENA CONTA ZUMBI
(1965)

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  • PROGRAMA (3/15)
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    Augusto Boal e G. Guarnieri
    Vivemos um tempo de guerra

    © Augusto Boal e G. Guarnieri

    VIVEMOS UM TEMPO DE GUERRA

    Vivemos um tempo de guerra. O mundo inteiro está inquieto. Em todos os campos da atividade humana esta inquietação determina o surgimento de novos processos e formas de enfrentar os novos desafios. Menos no teatro.

    O teatro procura sempre apresentar imagens da vida social. Imagens perfeitas, corretas segundo cada perspectiva de análise. No entanto, imagens estáticas. O teatro tradicional tenta paralisar, fixar no tempo e no espaço, realidades cambiantes. Pouco se tem tentato traduzir em arte e câmbio, a transformação.

    Por isso, as novas realidades, os novos processos de análise, continuam utilizando as formas gastas, próprias para outros processos e outras realidades. O teatro é conceituável, definível: esta a sua maior limitação. Quando afirmamos o que é o teatro, negamos suas outras potências.

    Nesta etapa do seu desenvolvimento o Arena desconhece o que é o teatro. Queremos apenas contar uma história, segundo a nossa perspectiva. Dispomos de uma arena, alguns velhos refletores munidos de lâmpadas (aproximadamente Cr$ 20.000 cada), acomodações para pouco menos de duzentas pessoas, roupas, madeiras, telas, projetores, etc. Somos um grupo de gente boa, diretores, atores, técnicos, autores, eletricistas, porteiros, bilheteiros. Somos quase vinte. Pensamos parecido. Esta gente reunida, usando o material disponível, vai contar uma história que, tem moral escondida. Uma história que, esperamos, vai ajudar todo o mundo a entender melhor as coisas ocorridas, e as que estão acontecendo. Que deve ajudar todo o mundo a ver com maior clareza.

    É uma história complicada, cheia de gente misturada, coisa verdadeira faltando dados que foram preenchidos pela imaginação. Para fazer uma peça assim, precisaríamos (se fossemos convencionais) de mais prá lá de 100 atores, mais pra lá de trinta cenários, contando até um bojo de navio, uma floresta detalhada, casas grandes, senzalas, igrejas e pelourinhos. Já que não somos Teatro Nacional, nem temos mecenas dispostos a tudo, temos ao menos nós mesmos. Destes fatos concretos surgiram as novas técnicas que estamos usando em ARENA CONTA ZUMBI: personagens absolutamente desvinculados de ator (todo mundo faz todo mundo, mulher faz papel de homem sem dar bola pra essas coisas etc.), narração fragmentada sem cronologia, fatos importantes misturados com coisa pouca, cenas dramáticas junto a documentos, fatos perdidos no tempo e notícias dos últimos jornais, anacronismos variados. Só uma unidade se mantém de todas quando até hoje foram proclamadas: a unidade da idéia. Só uma idéia orientou a criação do texto e do espetáculo. Esta é a idéia contida no texto do bispo de Pernambuco: “o hábito da liberdade faz o homem perigoso”. Esta é a idéia: queremos ser livres.

    O nosso espetáculo Opinião usava a verdade mais concreta, embora este fato acarretasse, muitas vezes, a impossibilidade de extrapolar: o fato concreto se singularizava. Em Arena Conta Zumbi procuramos ir além: usar o fato concreto, mas tendo sempre presente a necessidade de universalização dos dados apresentados. Se isto foi conseguido ou não, logo ficaremos sabendo.

    AUGUSTO BOAL E G. GUARNIERI

    ARENA CONTA ZUMBI
    (1965)