PATÉTICA
(1980)

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  • DEPOIMENTOS (2/2)
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    Trecho de depoimento de Celso Nunes
    Exposição REVER ESPAÇOS
    Centro Cultural São Paulo, 1983
    Acervo Flávio Império; Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Cultura/ Centro Cultural São Paulo

    © Celso Nunes

    Eu conheci o Flávio através do trabalho dele; eu era macaco de auditório dos espetáculos do Arena e do Oficina. Flávio trabalhava bastante nessas duas equipes de teatro. Foi aí que comecei a admirar seu trabalho, um trabalho de impacto e, principalmente, um critério de beleza muito apurado.

    Foi em Nancy, no Festival Mundial do Teatro Universitário, em 1968, no qual Flávio estava apresentando uma versão de Os fuzis de Dona Tereza que tivemos um contato mais estreito. Desde então, ficou aquela vontade de trabalhar com ele. Por muitas razões demorou a acontecer: às vezes Flávio não atinava com a peça oferecida, depois ele entrou na linha de show, e isso afastou-o temporariamente do teatro.

    Enfim, aconteceu. Assim que fui produzir uma peça, eu mesmo, convidei-o e o espetáculo foi Patética.

    Flávio resistiu, achava a peça muito triste e dramática. Ele havia vivido intensamente o período da repressão aqui no Brasil. Voltar a falar desse tipo de assunto, fez com que ele tivesse a reação de um certo repúdio para com a idéia. Por fim ele propôs o seguinte: ele leria a peça só uma vez, ele não leria as cenas que falassem de tortura, de porão de DOPS, da OBAN. "O que mais me interessa nessa peça é a parábola circense - os atores de circo que são atores de teatro, que fingem ser atores de circo, que representam uma peça de teatro, que é uma história verdadeira", foram suas palavras.

    Tudo isso era um material muito denso, muito dramático e corria o perigo de ficar um espetáculo cinzento, de penumbra, que só transasse a morte. Eu tenho certeza que o espetáculo tinha um ápice, uma cor de vida, pela presença do Flávio, por que o texto levava a algo muito dramático. Eu acho que, se não tivesse trabalhado com o Flávio, talvez tivesse feito um espetáculo que seria impossível para o público suportar. Mas graças ao astral do Flávio, graças ao jeito que ele enxerga a vida - ele olha para as pessoas e vê cores, vê movimento, ele vê o que as pessoas tem de melhor e ele consegue ultrapassar o que a pessoa tem de pior.

    Nosso trabalho, o meu com o dele, foi  completamente intercalado. Chegou um momento em que o meu pensamento passava para ele, o dele passava pra mim, o nosso passava pros atores, os atores nos davam respostas. Esse foi um processo que resultou num espetáculo que levou 90% de todos os prêmios daquele ano.

    CELSO NUNES

    PATÉTICA
    (1980)