PATÉTICA | X |
Um drama circense? Na verdade, uma metáfora política
Quando João Ribeiro Chaves Neto venceu o concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro em 77, a sua peça, premiada por unanimidade, foi censurada antes mesmo de receber o prêmio. A primeira notícia - do SNT - informava apenas que uma peça, incrita com o nº 143 havia vencido o concurso com um total de 24 pontos. E, sobre a atuação da censura num texto que, até aquele momento, era conhecido apenas pelos jurados e pela direção do SNT, Orlando Miranda tinha uma explicação não muito convincente. Segundo ele, a peça "havia sido confiscada por órgãos de segurança e, em consequência, o Serviço Nacional de Teatro não homologaria a sua premiação como primeira colocada".
A segunda informação - da imprensa - citava o autor, o nome da peça - A Patética - e o tema, que teria provocado a ira da censura. A peça falava a respeito da prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog (em outubro de 75) nas dependências no DOI-CODI do II Exército. João Chaves (que é cunhado de Herzog) protestou; os jurados que premiaram A Patética protestaram; os outros autores teatrais premiados no concurso do SNT assinaram um manifesto de repúdio enviado a Orlando Miranda protestando pela não homologação do primeiro prêmio daquele ano. Mas nada adiantou na época. A Patética continuou vetada pela censura e João Chaves não recebeu seu prêmio.
Só em abril de 78 A Patética foi editada pela primeira vez, num livro da Civilização Brasileira. No final de 78, João Chaves Neto pôde receber o cheque de Cr$ 60.000,00, relativo ao prêmio do SNT. E só hoje, dois anos e meio depois de premiada, A Patética estréia no palco, numa montagem produzida e dirigida por Celso Nunes, com um elenco que reúne Ewerton de Castro, Lilian Lemmertz, Antônio Petrin, Regina Braga, Vicente Tuttoilmondo e Cebolinha.
Por que montar A Patética? Em março de 78, a peça teve sua primeira apresentação por um grupo de teatro da Unicamp, coordenado por Celso Nunes. O espetáculo tinha direção de Reinaldo Santiago e foi mostrado apenas durante uma semana, no campus da Uniuversidade, mas a assitência diária era de cerca de três mil alunos. Mas a ligação de Celso Nunes com a peça vem de mais tempo. Ele conta que, em 70, teve o prazer de dirigir O Interrogatório, de Peter Weiss, um documentário sobre os campos de concentração de Auschwitz. "A peça mostrava o que poderia acontecer no Brasil. Na época, quando nada podia ser dito claramente, era uma advertência. Hoje, dez anos depois, estou dirigindo A Patética, que é uma peça que mostra métodos que foram utilizados no Brasil, muito parecidos com os campos de concentração. Ela mostra o que aconteceu nesses anos."
Celso afirma, porém, que A Patética não pretende apenas contar a história de Vladimir Herzog, apesar de descrever a sua prisão, tortura e morte. Mostra, ele diz, não só a tortura política, mas a tortura de presos comuns que ainda existe, a ambição do poder, a ligação direta entre a mão que aciona a máquina de choque e a que quer acançar mais poder. Na época, sem dúvida, João Chaves escreveu seu drama pensando em Vlado. Ele era seu cunhado, a peça foi escrita em 76, pouco depois de sua prisão e morte, quando ainda era proibido comentar muito sobre essa prisão, quando a versão oficial afirmava que ele se tinha suicidado e era proibido contestar essa afirmação. E João Chaves deixa sua posição clara numa fala da peça quando o personagem Waldeir (ele mesmo), diz: "Nós também temos um código. Nós, por isso, estamos recriando a fábula. O símbolo. A metáfora. Sabe o que é isto? Uma peça de teatro. Escrita estritamente conforme os padrões da época. Codificada! Emaranhada!"
A Patética tem um subtítulo: A verdadeira história de Glauco Horowitz. Essa, na verdade é a história contada na peça, um drama representado por uma trupe circense que realiza seu último espetáculo, já que seus integrantes são obrigados a abandonar o terreno que ocupam nesta mesma noite. Iara Rosa, Joana Criméia, Walter Rosado, o palhaço Bolota e Pedro Navarro, os atores do circo, vestem suas melhores roupas circenses, abrem as cortinas mais coloridas do cenário e tentam contar a história que os emociona porque, como anuncia o palhaço Bolota, aconteceu de verdade. Há dois planos: em 46, a chegada no porto do Rio de uma pequena família iugoslava judia, formada pelos pais de Ana e Hans Horowitz e o filho Glauco. E em 75, precisamente no dia 24 de outubro, o último dia da vida de Glauco, um jornalista que se vê às voltas com a repressão política policial. A Patética é um drama define Celso Nunes. - É um texto denso, não o montaria se não gostasse da peça".
A Patética estréia hoje, às 21 horas no Auditório Augusta (R. Augusta, 943). No elenco, Lilian Lemmertz (Ana), Antíonio Petrin (Hans), Ewerton de Castro (Glauco), Regina Braga (Clara) e (Waldeir). Cenários e figurinos de Flávio Império. Direção de Celso Nunes.
Ingressos: 4ª feira (Cr$ 1509,00 e Cr$100,00); 5ª feira (Cr$300,00 e Cr$150,00); 6ª feira (Cr$350,00); sábato (350,00); domingo (Cr$300,00 e Cr$150,00): Horários: 21h30 (quartas, quintas e sextas-feiras); 20 e 22h30 (sábado) e 18 e 21h30 (domingo).
HELOÍSA DE ARAÚJO MOREIRA