COISAS E LOISAS
(1978)

X
  • DEPOIMENTOS (1/1)
  •  
    X
     
    Flávio Império
    Texto para o convite da exposição Coisas e Loisas
    1978

    © Flávio Império

    Apesar de todos os esforços, aprendi pouco e mal.

    Pintar tornou-se um habito a que recorro, nos intervalos entre atos, do palco. Um jeito de brincar com meus botões.

    O palco é a cidade, casa, a rua, o mato, o rio, o campo, a praia, a praça, à luz das ilusões.

    Surpreendo-me com os anacronismos, agindo no sentido de mudar e transformar tudo em contemporâneo. (já é vício).

    Tomo cuidados em não tirar do velho, aquilo que nele seja eterno, nessas operações delicadas sou extremamente desastrado.

    Fui sentindo, com o passar do tempo, que a sociedade do meu tempo prefere o joio ao trigo, confundindo os trilhos.

    Pasmo com a iniquidade,

    perplexo com a ignorância,

    boquiaberto com a hipocrisia,

    desanimei com a “sapientiae” do “homo” e me senti mergulhado na realidade humana, como um náufrago entre escombros.

    O brilho das ciências e das filosofias se perpetuou em velhas cristaleiras, solto em nuvens, como estrelas.

    Entre o quintal e o palco vivo atordoado com o trânsito e as notícias.

    Desconfio que isso seja a maturidade, a idade em que se fica pronto a despencar do pé, e retomar o ciclo da semente.

    Pintar é um ato de prazer.

    Uma ação surpreendente.

    Um gesto que escapa.

    O resto são consertos, tentativas de acerto, arremedos.

    Pintar é o avesso do medo.

    Pinto como quem se permite caminhar sobre os erros. 

    FLÁVIO IMPÉRIO

    COISAS E LOISAS
    (1978)