MATRIZES, FILIAIS & COMPANHIAS
(1979)

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  • REPERCUSSÃO (2/2)
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    Olney Kruse, 1979
    Jornal da Tarde

    Acervo Flávio Império

    Flávio Império expões mais uma faceta: a pintura.

    Flávio: agora uma exposição de pinturas, fora do esquema rígido das galerias.

    Artista versátil, que transforma em sucesso tudo o que faz, Flávio Império pode ser visto, no momento em dois endereços: no Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1312) e na Galeria do Sesc (r. Dr. Vila Nova, 245).

    No teatro, ele é o responsável pelo cenário - que prefere chamar de visual - de A Falecida, de Nélson Rodrigues, uma peça que originalmente não tem cenografia, mas que ele e Osmar Cruz, o diretor quiseram e criaram. 

    Na galeria, o seu talento se expande por toda aquela barulhenta lanchonete, onde os estudantes improvisam música sobrando o gargalo de garrafas vazias de refrigerantes.

    No teatro, Flávio é o artista inventivo, mas comedido, já que está vinculado ao texto de outro artista. Na galeria, ele é o artista completamente livre na criação, mas muito preso à cenografia onde ficou famoso e foi várias vezes premiado. Se não, como justificar os quadros de moldura serrada que pendurou no teto ao lado de tecidos transformados em bandeiras?

    - Eu não gosto de galeria nem de museu. São lugares fechados onde a arte perde a vida. Aqui, não. Ela está viva. 

    Artista Completo

    Ainda muito inquieto e bastante jovem para os seus 44 anos, o paulistano Flávio Império, nascido na rua Marquês de Paranaguá, no centro de São Paulo, é um artista que se tornou arquiteto, ficou famoso e respeitado em cenografia, mas quer ser lembrado como pintor. Por isso, ele acaba de fazer uma exposição individual na Galeria Seta (r. Antonio Carolos, 282) e até 6 de janeiro expõe no Sesc. E se justifica:

    - Sempre pintei na vida, em contraponto ao discurso dramático e à atividade necessariamente grupal, que é a do teatro. Como um retorno obrigatório para dentro de mim.

    Arquiteto formado pela FAU desde 1962, ele foi, ali mesmo, professor de Programação Visual até 1976, mas não voltaria a lecionar e não se arrepende de ter saído. Como não sente, também, nenhuma vontade de projetar casas particulares ou grandes edifícios. 

    - Eu não quero contribuir para o caos dessa cidade maluca que é São Paulo. Acho que o paulistano tem de sair daqui o mais depressa possível antes que morra. São Paulo já não oferece a menor garantia de sobrevivência física. Aqui, não projeto mais nada. Nem a preço de ouro!

    Seu primeiro trabalho como arquiteto foi uma casa para o historiador Bóris Fausto. Uma casa que ainda existe como foi feita: um sistema romano de construção, que inclui até abóbada. O último projeto foi para residência de um professor da FAU e a casa, por coincidência, tem abóbada também, mas de concreto pré-moldado. 

    - Durante oito anos eu tive escritório junto com Sérgio Ferro e Rodrigo Lefévre. Fizemos vários projetos para cidades do Interior, que eram fáceis de construir e muito econômicos. Era um sistema de aproveitamento de espaço para construir escolas públicas. O que eu ainda quero construir e não sai da minha cabeça é um teatro arquitetado como uma grande oficina de trabalho. E, jamais, um teatro dividido entre palco e platéia, essa invenção italiana, que já tem 400 anos. 

    Enquanto o teatro não sai, Flávio Império transforma, juntamente com outros três artistas, a galeria do Sesc numa oficina de trabalho, pois ali a arte é desmistificada, uma vez que é feita diante do público e vendida a preço de custo. Isso para falar só das graviras, pois o que pende do teto já está pronto: são bandeiras que ele prefere chamar de Carne-Seca.

    - Carne-Seca são restos de tecido industrial que encontrei no Nordeste entre os mascates do Mercado São José no Recife. Excluída dos tecidos "normais", a carne-seca é vendida a quilo como pano manchado, pano com defeito de fabricação, sucata da indústria de estamparia tanto do Sul como do Nordeste. Na verdade, tecidos que retem o rastro dos desenhos e padrões originais e o escorrido das tintas dissolvidas, de maneira aleatória. Essas bandeiras custam entre Cr$ 2 mil e Cr$ 5 mil e as serigrafias entre Cr$ 100 e Cr$ 1 mil.

    O cenógrafo que já criou 60 trabalhos para o teatro fez sua primeira obra em 1959 - Vida e Morte Severina - para o Teatro Natal. E outros como O Labirinto, Reveillon, os Fuzis da Sra. Carrar. Sobre A Falecida, seu último trabalho, uma explicação:

    - Nelson Rodrigues, neste caso, escreveu, sem saber, uma peça psicodramática muito anterior ao modismo do psicodrama dos nossos dias. Em A Falecida não existe cenário. O palco está vazio e tanto pode ser uma cidade como lugares de cena. Nélson pretendeu que tudo parecesse um ensaio de atores no palco. 

    Sobre o pintor, há informação de que ele já nasceu artista e "premiado: pelo orgulho paterno, então fascinado com seu barquinho desenhado aos quatro anos de idade. Portanto, oficialmente, Flávio Império é pintor há quarenta anos!

    - Era um barquinho sem graça, um horror, que meu pai deu um jeito de publicar. Apesar disso, estudei arte na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna  (MAM) na Praça Roosvelt, quando ela era ainda habitável. estudei com Jorge Nasturel, desenhista e pintor, que tinha sido aluno do Lèger. Depois, na FAU, fui aluno de Flávio Moptta e juntos ensinamos alguma coisa ao Cláudio Tozzi.

    E, agora, como num final de conto de fadas, ex-professores (os dois Flávios) estão expondo com o ex-aluno (Tozzi) bem longe da FAU e das galerias e museus, como queriam os três amigos.  

    OLNEY KRUSS

    MATRIZES, FILIAIS & COMPANHIAS
    (1979)