TEATRO DA COMUNIDADE CRISTO OPERÁRIO | X |
Comecei a fazer teatro meio por acaso. Eu era aluno da Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna, que era uma coisa interessantíssima que existia nos anos 50, e funcionava na praça Roosevelt. Fui aluno do Lívio Abramo, de um pessoal ótimo que dava aula de gravura, desenho e cerâmica. Como eu era bolsista, passava o dia todo por lá, limpando torno, preparando barro, enfornando barro. Tive um contato muito íntimo com as técnicas e com esse pessoal que era muito bom. Acabei por me tornar muito amigo de todos e, através deles, fui convidado para fazer a cenografia de uma peça infantil da Maria Clara Machado, Pluft , o Fantasminha, em uma comunidade operária dirigida por um frei dominicano que tinha voltado da França.
Em um terreno pertencente aos dominicanos foi construída uma igreja e, mais tarde, uma fábrica de móveis, chamada Unilabor Móveis, cujas peças eram desenhadas por Geraldo Barros e que funcionava como uma comunidade de trabalho. Não havia a figura do capitalista proprietário, os operários participavam de todo o processo. Pude ver em fotografias que, antes à comunidade organizada pelo Frei, já havia um núcleo de teatro dirigido pelo Clóvis Garcia. Quando eu cheguei por lá, Maria Thereza Vargas dirigia o grupo de teatro adulto e eu tinha sido chamado para fazer a cenografia da montagem das crianças, que eram alunos de uma escola com influência do método Montessori, dirigida por Sabatina Gervásio e Cinira Stocco, que também funcionava lá.
Eu nunca tinha feito isso antes. Cheguei tão entusiasmado que acabei dirigindo e fazendo tudo, e então a Maria Thereza Vargas, que estava indo para o Rio de Janeiro trabalhar com a Maria Clara Machado no Cadernos de Teatro, ficou tão encantada, digamos, com o meu entusiasmo que passou para mim a responsabilidade do grupo adulto de teatro. Então eu fiquei por lá durante quatro anos, ao mesmo tempo que cursava a Faculdade de Arquitetura na USP, e fazia tudo: escrevia, dirigia e fazia os cenários.
Realmente foram duas escolas importantes: a Arquitetura e a experiência na Comunidade Cristo Operário. Eu saía da FAU, que era na Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, às seis e meia, diariamente, e ia até o Vergueiro onde trabalhava até às onze horas ou meia noite, além dos sábados e domingos em tempo integral. Foi muito bom, mas tivemos desentendimentos com o padre e ele me expulsou. O grupo saiu junto comigo - foi uma coisa bonita, eu nunca pretendia fazer movimento nenhum, mas eles saíram junto comigo.
Esse período foi um dos mais ricos da minha vida por permitir uma convivência bastante íntima e afetiva com setores da população que depois eu só encontrei nas filas de ônibus ou nos nos bares, sem nenhuma possibilidade de convivência em um plano mais profundo.
O grupo construiu um tablado móvel e fazia apresentações pelo bairro - em salas de ginásios, sedes de clubes de futebol de várzea, etc - independente de qualquer instituição por trás. Acabamos nos apresentando no Teatro de Arena, a convite do Augusto Boal e do Gianfrancesco Guarnieri, que tinham assistido ao trabalho e muito entusiasmados, no tempo em que tudo isso era muito bonito, queriam me chamar para compor o departamento operário do Arena. Neste momento o grupo se dissolveu apavorado e eu parei de fazer teatro.
Fiquei muito amigo do pessoal do Teatro de Arena, mas passei a trabalhar só com arquitetura. Aos poucos, eu comecei a participar de suas produções. Primeiro com a parte gráfica, como o programa e o cartaz de Chapetuba Futebol Clube. Na peça seguinte, Gente como a gente, escrita por Roberto Freire, fiz a cenografia e fui me aproximando daquele início todo do Arena até que o Boal comprou o teatro do José Renato e nos convidou - eu, o Paulo José, o Juca de Oliveira e o Guarnieri para ficarmos sócios-donos. Daí, eu fiquei dono do Teatro de Arena e de lá para cá todo mundo sabe.
FLÁVIO IMPÉRIO