A frase do verso rilkeano para dar o titulo à versão brasileira de Look Homeward, Angel surgiu espontaneamente durante os ensaios, quando se discutiam as transformações bruscas do mundo do século XIX; o homem vivia segundo uma ideologia que era adequada à sua realidade; suas circunstâncias materiais permitiam-lhe desfrutar da intimidade da Justiça, de Deus, dos anjos. De um momento para o outro, esse mundo do homem se transforma; torna-se enegrecido pela fuligem das grandes industrias, estrangulado pelos labirintos de aço dos novos tempos. O homem perde seu lar, o outro homem, a sua classe, a história; Deus está morto e os anjos estão inacessíveis em seus distantes espaços gelados, assistindo impassivelmente ao desencontro do homem com seu caminho.
Em quase todos os países que sofreram a revolução industrial encontramos nomes como Rilke, sentindo essa desvinculação do homem com o seu mundo que passa a ser um habitat estranho, obra de um Deus tirânico e injusto, um
Os personagens do “Anjo” debatem-se entre aceitar suas circuntâncias, como o faz Eliza Gant, com seus sonhos de proprietária, de prestigio social, integrando-se num mundo inumano irracional, absurdo, ou então negá-las, como W.O. Gant, escolhendo a marginalidade, a anti-história, partindo em busca do Anjo, da linguagem perdida, a espera de um encontro impossível, que acabará por levá-lo ao álcool, à degradação completa, ao desprestígio social, à impotência.
A não-aceitação desse mundo por W.O. Gant transmite-se a seus filhos, Bennie e Eugene. O Anjo para Ben é a procura do heroísmo num mundo onde o heroísmo é impossível. Já Eugene descobre que a liberdade é a única arma que lhe cabe nesse mundo dos anjos mortos. Ele aceita o desafio da luta num mundo de homens, dentro das condições terrenas e dos limites humanos de seus projetos.
Com o “Anjo” Thomas Wolfe enquadra-se de certa forma entre os precursores da “beat generation”, pela escolha de uma posição de marginalidade agressiva e inconformista, e por outro lado antecipa o existencialismo, por sua visão inteiramente destituída de preconceitos artísticos.
A encenação não colocou como problema maior o caráter auto biográfico da peça, pela impossibilidade de obter essa fidelidade num espetáculo brasileiro; procurou antes iluminar o espetáculo de acordo com a visão característica de Thomaz Wolfe, indo frequentemente inspirar-se no texto original do romance. O realismo do texto teatral foi obedecido, valendo-se apenas do emprego de musica medieval para criar uma anti-ação, uma oposição ao drama familiar tornando palpável a presença esmagadora do Anjo Terrível.
José Celso Martinez Correa, transcrito do Suplemento Literário do "O Estado de São Paulo".
JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA