TODO ANJO É TERRÍVEL (1962)

Quem, se eu gritasse,
entre as legiões dos anjos me ouviria?
E, mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração,
aniquilar-me-ia sua existência
demasiado forte.
Todo Anjo é terrível.
Rainer Maria Rilke

Foi com inspiração no poema de Rainer Maria Rilke que o grupo Teatro Oficina, resolveu, coletivamente e durante os laboratórios de ensaio e pesquisa da montagem brasileira, qual seria a tradução do título de Look homeward, Angel, romance autobiográfico de Thomaz Wolfe adaptado para o teatro por Ketti Frings.

Letreiros iluminados chamam atenção para Dixieland, a pensão comandada por Elisa Gant, mulher narcisista, ambiciosa e avarenta. Entre os hóspedes, tipos comuns nas pensões de segunda classe, vive a família Gant: a filha Helena, explorada pela mãe nos serviços da casa; Bent, “o estranho entre eles”, jovem sensível e refinado que sucumbe, vítima de uma pneumonia mal cuidada, e o caçula Eugênio, jovem apaixonado pelo saber e ansioso pela libertação.

Estranhamente prisioneiro da beleza de um anjo esculpido em mármore de Carrara, o marmorista de túmulos e estátuas, W.O.Gant, é o pai deste desgastado clã familiar. Obcecado pela figura do Anjo, passa o tempo a tentar reproduzí-la em seus próprios trabalhos. “Artista dos mortos”, arrasta essa vida que de alguma maneira parece não se cumprir. Estamos na cidade de Altamonte, Carolina do Sul, EUA, durante o outono de 1916.

De um lado do palco, a pensão - fachada, entrada, sala e quartos, de outro o atelier do marmorista. O cenário de Todo anjo é terrível se utiliza do mesmo partido estrutural experimentado, por Flávio Império, na montagem de Um bonde chamado desejo. Sobre tubos metálicos, ocupa a verticalidade oferecida pelo Teatro Oficina e sugere os diversos ambientes de ação, mantendo a transparência necessária à conformação do palco-sanduiche.