TODO ANJO É TERRÍVEL | X |
Tendências Modernas
A próxima estréia do grupo “Oficina” dar-se-á sexta-feira, dia 17, com Todo Anjo é terrível, adaptação feita por Ketty Frings, do celebre romance de Thomas Wolfe, Look homeward angel. A peça, que tem acentuado cunho autobiográfico, foi um dos maiores êxitos artísticos e de bilheteria da Broadway, há quatro anos atrás, na interpretação de Jô Van Fleet e Anthony Perkins, em papéis que, na versão brasileira, caberão respectivamente a Henriette Morineau e Renato Borghi.
José Celso Martinez Corrêa, que dirigirá o espetáculo, escreveu a seguinte nota para o espetáculo:
“A frase do verso rilkeano para dar o título à versão brasileira de Look Homeward, Angel surgiu espontaneamente durante os ensaios, quando se discutiam as transformações bruscas do mundo do século XIX; o homem vivia segundo uma ideologia que era adequada a sua realidade; suas circunstâncias materiais permitiam-lhe desfrutar da intimidade da Justiça, de Deus, dos anjos. De um momento para o outro, esse mundo do homem se transforma; torna-se enegrecido pela fuligem das grandes indústrias, estrangulado pelos labirintos de aço dos novos tempos. O homem perde seu lar, o outro homem, a sua classe, a história; Deus está morto e os anjos estão inacessíveis em seus distantes espaços gelados, assistindo impassivelmente ao desencontro do homem com seu caminho.
Em quase todos os países que sofreram a revolução industrial encontramos nomes como Rilke, sentindo essa desvinculação do homem com o seu mundo que passa a ser um habitat estranho, obra de um Deus tirânico e injusto, um “meneur de jeu” terrível, que o impunha arbitrariamente ao homem, sem se preocupar com sua sorte. Esse mundo estranho era sentido como uma alienação pelo homem. E a sua tentativa de escapar dessa alienação, de negar essas circunstâncias materiais era também uma alienação. Essa fuga do homem de um mundo hostil e inóspito, à procura de um universo ideal onde reencontraria a intimidade dos anjos e Deus, acabaria por perdê-lo em descaminhos ainda maiores, pois o homem não é um anjo. Se é verdade que o homem de Rilke não podia viver dentro de suas circunstâncias, ele também não podia viver sem elas, pois o homem é história, é economia é sexo; toda procura do anjo é terrível.
Os personagens do “Anjo” debatem-se entre aceitar suas circuntâncias, como o faz Eliza Gant, com seus sonhos de proprietária, de prestígio social, integrando-se num mundo inumano irracional, absurdo, ou então negá-las, como W.O. Gant, escolhendo a marginalidade, a anti-história, partindo em busca do Anjo, da linguagem perdida, a espera de um encontro impossível, que acabará por levá-lo ao álcool, à degradação completa, ao desprestígio social, à impotência.
A não-aceitação desse mundo por W.O. Gant transmite-se a seus filhos, Bennie e Eugene. O anjo para Ben é a procura do heroísmo num mundo onde o heroísmo é impossível. Já Eugene descobre que a liberdade é a única arma que lhe cabe nesse mundo dos anjos mortos. Ele aceita o desafio da luta num mundo de homens, dentro das condições terrenas e dos limites humanos de seus projetos.
Com o “Anjo” Thomas Wolfe enquadra-se de certa forma entre os precursores da “beat generation”, pela escolha de uma posição de marginalidade agressiva e inconformista, e por outro lado antecipa o existencialismo, por sua visão inteiramente destituída de preconceitos aprioristicos.
A encenação não colocou como problema maior o caráter auto biográfico da peça, pela impossibilidade de obter essa fidelidade num espetáculo brasileiro; procurou antes iluminar o espetáculo de acordo com a visão característica de Thomaz Wolfe, indo frequentemente inspirar-se no texto original do romance. O realismo do texto teatral foi obedecido, valendo-se apenas do emprego de musica medieval para criar uma anti-ação, uma oposição ao drama familiar tornando palpável a presença esmagadora do Anjo Terrível.”
Ao alto, dois aspectos do cenário de Flávio Império, cenógrafo que se vêm destacando ultimamente no panorama do teatro paulista.
JOÃO BETHENCOURT