PINTURA - ANOS 1970

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    Flávio Império, texto escrito para a exposição na galeria Seta, 1979.

    © Flávio Império

    Sempre pintei na vida, em contraponto ao discurso dramático e à atividade, necessariamente, grupal que é a do teatro. Como um retorno obrigatório prá dentro de mim.

    Em cena, já me perdi entre poemas santos e profanos, escalpelei a psicologia de quase todas as dramaturgias e as orgias verborrágicas das muitas ideologias. O teatro me faz viver mil vidas e morrer mil mortes.

    Porém, quando chega a hora do meu dia-a-dia, acabo me encontrando onde as galinhas ciscam sem grandes psicologias e as formigas seguem sua monótona sociologia, a flor vira banana, assim, só porque Deus quis...

    Meu trabalho com pintura, esse ano, surgiu de um impulso que devia andar muito recalcado por dúvidas estéticas ou estranhos sentimentos de dívidas históricas, não sei bem. Libertei a vontade de reencontro íntimo com a “pintura de cavalete”, uma espécie de saudade do “quadro”. Batalhei a contensão do gesto e da mão à cor, eliminando do desenho, o traço, e mergulhando na água colorida, o espaço.

    A tridimensionalidade “ficcional” do palco desapareceu, como desapareceram, aos poucos, os personagens do drama social. Mergulhei nos meus cantos de sombra, meus medos, e eles viraram pintura, artesanato.

    Era outono e inverno. O frio e a umidade da paisagem paulista, a neblina, a chuva, a opacidade e a transparência da pouca luz do planalto e da serra se deram bem com a própria água que tingia as telas. Fui perdendo as cores, desbotando os vermelhos, amarelos e azuis em ocres. Encontrando os tons e os semitons do clima obscuro que vivia.

    Pela janela do quintal, as bananeiras desfolham seus brotos-mangarás, enormes sexos desinibidos, soltos e oferecidos, que se abrem em flor. Abelhas e morcegos se fartam nelas. Satisfeitas, as flores engordam, rápido, já são bananas.

    Fui seguindo os lances e me entregando, inteiro, à terra molhada e úbere, que fazia morrer, desmanchar, brotar e renascer a vida sem relógio de ponto, sem ordenado e décimo terceiro, sem férias ou feriados.

    Um susto a vida. E linda.

    Flávio Império – nov. 79 S.P.

    Exposição de Pintura – Galeria Seta – Abertura 3 dezembro – São Paulo

    FLÁVIO IMPÉRIO

    PINTURA - ANOS 1970