PINTURA - ANOS 1970

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    Flávio Império, Texto publicado no convite-folder da exposição Coisas e Loisas, 1978

    © Flávio Império

    apesar de todos os esforços, aprendi pouco e mal.

    pintar tornou-se um habito a que recorro, nos intervalos entre atos, do palco. um jeito de brincar com meus botões.

    o palco é a cidade, casa, a rua, o mato, o rio, o campo, a praia, a praça, à luz das ilusões.

    surpreendo-me com os anacronismos, agindo no sentido de mudar e transformar tudo em contemporâneo. (já é vício).

    tomo cuidados em não tirar do velho, aquilo que nele seja eterno, nessas operações delicadas sou extremamente desastrado.

    fui sentindo, com o passar do tempo, que a sociedade do meu tempo prefere o joio ao trigo, confundindo os trilhos.

    pasmo com a iniquidade,

    perplexo com a ignorância,

    boquiaberto com a hipocrisia,

    desanimei com a “sapientiae” do “homo” e me senti mergulhado na realidade humana, como um náufrago entre escombros.

    o brilho das ciências e das filosofias se perpetuou em velhas cristaleiras, solto em nuvens, como estrelas.

    entre o quintal e o palco vivo atordoado com o trânsito e as notícias.

    desconfio que isso seja a maturidade, a idade em que se fica pronto a despencar do pé, e retomar o ciclo da semente.

    pintar é um ato de prazer.

    uma ação surpreendente.

    um gesto que escapa.

    o resto são consertos, tentativas de acerto, arremedos.

    pintar é o avesso do medo.

    pinto como quem se permite caminhar sobre os erros.

    Flávio Imperio

    agosto de 78 - São Paulo

    FLÁVIO IMPÉRIO

    PINTURA - ANOS 1970