RODA VIVA
(1968)

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    Depoimento de José Celso Martinez Corrêa
    Exposição REVER ESPAÇOS
    Centro Cultural São Paulo, 1983
    Acervo Flávio Império; Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Cultura/ Centro Cultural São Paulo

    © José Celso Martinez Corrêa

    Chegou Roda viva, Chico nos convidou, a mim e Flávio para fazermos uma peça que ele escreveu. O texto pedia quatro pessoas no coro. Mas quando abrimos os testes para atores cariocas. Veio uma multidão e tomou o espaço, sem saber o que era palco ou o que era platéia, se o ator poderia tocar nas outras pessoas ou não. Era uma geração que trazia em si todas as revoluções. Quer dizer, tinha gente feia, bonita, veado, sapata, hetero, negro, branco, tudo e traziam no corpo todas as revoluções que depois se dividiriam em revolução ecológica, revolução feminista, revolução gay, revolução da alimentação, revolução religiosa. Eram esses jovens de 1968, esses pagãos... A Camille Paglia diz que 1968 significou um retorno ao paganismo no mundo inteiro e eu concordo: 1968 é um retorno ao paganismo. Para mim, o desbunde foi mais importante do que a luta armada, que eu apoiei, participei e fui torturado por tê-la apoiado. Não me arrependo, foi certo. Mas fazendo um balanço geral vejo que a turma que foi para a luta armada não quebrou os padrões positivistas, os padrões de vida mesmo, não se descolonizou. A descolonização houve no momento onde a gente se re-ligou ao nosso passado arcaico e foi descobrir o índio e o negro na gente, o fã da rádio Nacional, o cara que gosta de música pop, o cara que começou a misturar, comer tudo, comer de tudo.

    Roda viva não foi feito nem pelo Chico, nem pelo Flávio,  nem por mim, foi feito por aquela multidão do coro. Os protagonistas não tinham a importância que tinha o coro. Mas na época os fotógrafos eram tão condicionados, que fotografaram só o palco, é raríssimo você ver fotografias do coro, que se espalhava no meio da platéia.

    Os figurinos eram roupas rituais. O Flávio, como o Hélio Oiticica, faz falta porque não há mais a ideia do ritual. O Flávio fez figurinos rituais, de tal maneira que, no momento em que você entra em um deles, está incorporado. Ele desenvolveu essa história de paramentação de uma maneira muito especial e original, uma forma ritualística de criação que me lembra o Bispo do Rosário, curtida em cada detalhe por suas próprias mãos.

    Quer dizer, Roda viva, foi, é uma revolução. Todo o meu trabalho a partir de então, se transformou radicalmente.

    Roda viva foi feito no final de 1967, em dezembro, o espetáculo foi levantado em 17 dias. Não dá para explicar como é que foi possível, em 17 dias aquilo ficou de pé.

    JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA

    RODA VIVA
    (1968)