RODA VIVA | X |
Em 1968 fiz Roda Vida, um texto do Chico Buarque. "Que tal estruturá-lo, na montagem, como se fosse uma missa?" propôs Zé Celso. "Uma Missa?" Tudo bem, se você acha é porque teve uma intuição ..." respondi.
Percorri então todo o baixo catolicismo carioca. Saí a campo e fui a tudo quanto era capela acender vela, santuário com santinho, tudo quanto era coisa mais próxima do candomblé, baixo espiritismo. Juntei tudo isso a imagem de um Santo que achei sempre com cara de iê-iê-iê, que é o "Menino de Jesus de Praga". Acho que porque ele tem sempre um manto todo prateado e uns grandes punhos ao redor da mão. Um microfone naquilo resolveria, na minha opinião, a imagem do santo glorificado por uma platéia que confunde muito gente com herói. Achei esse gancho. O Zé montou uma estrutura em cima da missa e começamos a trabalhar os intervalos que iam desde a coisa conservadora do pensamento brasileiro até aquilo que parece ser a coisa menos conservadora do pensamento brasileiro, a chamada vanguarda. Entre um e outro foi ficando caracterizada uma visão distante e crítica dos momentos de glória do cantor de rock, dos momentos de glória nordestinos, dos momentos de glória do cantor festivo, dos momentos de glória de todos os cantores e do processo de venda dessas cantores que a televisão faz. Então o palco era a grande boca de cena de televisão. No alto, São Jorge e um vasinho com uma rosa bem grande, como se fosse uma coisa "pop" (estávamos no tempo dos "Lichtensteins") e do outro lado coloquei uma grande garrafa de Coca cola e o Pereio sentado a uma mesinha que era o bar. A coisa aconteceu nesse universo que eu via como se fosse uma mesinha brasileira de canto de sala, que vai desde as saletas da favela até os salões, onde está situado o aparelho de televisão. Só que cada espectador se via refletido, de algum modo, no personagem que estava em cena. Foi uma leitura mais sociológica, digamos assim, que eu comecei a fazer em cima dos personagens, criando um imaginário simbólico para cada um.
Pedi para trabalhar com uns caras que trabalhavam com o Chacrinha. Tive o maior prazer de trabalhar com uns artesãos incríveis que inventaram as roupas dele. Além disso, contei também com as costureiras convencionais de teatro e montamos uma equipe. Muitas vezes o pessoal do Chacrinha começava o trabalho e eu terminava porque havia muita coisa para ser feita. Às vezes a própria equipe do atelier do teatro começava e eu terminava para que o acabamento, que contava, em geral, com tantas origens, tivesse uma linguagem mais ou menos unificada, que eu chamaria de "Kistch nacional".
FLÁVIO IMPÉRIO