REVEILLON | X |
Reveillon: uma mostra da condição humana
No palco eles são Murilo (o pai), Adélia (a mãe), Janete (a filha), Guima (o filho) e Fernando (o namorado de Janete), que a platéia conhecerá intimamente, depois de duas horas, no palco do Anchieta. Aqui você vai conhecer esta família fora do teatro. Vai saber, por exemplo, porque Regina Duarte trocou seu sucesso sorridente como Namorada do Brasil pela angústia e risco de um personagem que seu público não aceitaria na tevê. Ou como Sérgio Mamberti quer misturar vida e palco numa coisa só. Ou saber como Yara Amaral (prêmio Molière de 74) pensa que deva ser teatro.
Reveillon foi apresentada pela primeira vez em 73. Ano passado, esteve no Teatro Glaucio Gil, na Guanabara, constituindo-se numa das mais destacadas montagens da temporada carioca do ano.
31 de dezembro. Meua-noite. A cidade, ruidosamente, comemora a passagem de ano. Num apartamento da Praça Roosevelt, entretanto, cada membro de uma família, aos poucos, vai se aprofundando em seus próprios conflitos íntimos. É assim o enredo de Reveillon, que mostra um pai, a mãe, a filha, seu namorado Fernando, e Guima, o irmão de 19 anos que quer ser poeta e passa os dias escrevendo para fugir à realidade. É uma peça que mostra a classe média, sem seus valores próprios. Que não extrai seus valores de sua realidade e por isso “morre de medo de morrer, porque tem medo da vida”.
“Quando dirigi Dorotéia vai à guerra com Dina Sfat e Ítalo Rossi – explica Paulo José, diretor de Reveillon – senti que estava interessado num teatro de costumes, de forma meramente realista, mas que ao mesmo tempo revelasse o absurdo, o trágico e o desespero da condição humana”.
Por isso, ele conduziu seu trabalho dentro de uma forma meticulosamente elaborado. Nascido em Lavras, no Sul, Paulo José acusa uma atividade profissional no teatro desde 61, na peça de Chico de Assis – O Testamento do cangaceiro, seguida da Revolução da América do Sul de Augusto Boal (ambas no Arena).
“O espetáculo não pretende idéias originais – continua ele – mas a forma mais eficaz, simples e direta de passar o conteúdo do texto de Flávio Márcio. Houve um constante mudar de ponto-de-vista para se conseguir saturar todas as possibilidades ao máximo. Também nos pareceu que o melhor veículo para passar o desespero que existe na peça seria o humor, em seu verdadeiro sentido de uma coisa dramática. Os personagens dramáticos sempre têm uma saída, mesmo que escolham a morte. Esta é uma decisão de suas próprias vontades”.
Como ator de teatro, Paulo José atuou até 58, no Teatro Municipal do Rio, sob direção de Flávio Rangel em Os Inconfidentes, de Cecília Meirelles. No meio disso se destaca sua participação em Eles não usam Black Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, Arena conta Zumbi e Os Fuzis da Senhora Carrar de Brecht.
“O comportamento, valores, frases, idéias, repertório de vocabulário, tudo isso já está condicionado num processo doloroso fazendo as pessoas agirem de forma estritamente mecânica. Elas riem, choram, amam, sofrem, discutem, movidas por estímulos que nada têm a ver com a situação em que elas estão na verdade”.
Paulo José também coordenou diversos cursos. Participou de ciclos de leitura, seminários de dramaturgia e entre suas direções no teatro se detacam: Eles não usam Black Tie, (remontagem feita no Rio, em 63), O Filho do Cão de Guarnieri, em 64, Arena conta Zumbi (remontagem carioca, em 65) e Carnaval para Principiantes, de Domingos de Oliveira, Eduardo Prado e Flávio Migliaccio (também no Rio, em 66). Escreveu uma peça de parceria com Augusto Boal – O Melhor Juiz, o Rei, adaptação livre de uma obra de Lope de Vega, editado pela Brasiliense em 66 e que se conserva inédita.
No cinema, como ator, treze filmes, com destaque para Macunaíma, O Homem Nu e Cassy Jones, o Magnífico Sedutor. Também é extensa sua participação na tevê: Shazam, Xerife e Cia, as novelas Supermanoela e O Primeiro Amor, são algumas delas. Recebeu também diversos prêmios tanto no teatro como no cinema e televisão. O Molière e o Padre Ventura de 63, como figurinista em A Mandrágora, de Maquiavel. O Candango, no 11º Festival de Cinema Brasileiro em Brasília (66) como melhor ator no filme Todas as Mulheres do Mundo. Com O Padre e a Moça recebeu o Saci, em 67 e mais dois Moière, um em 68 e outro em 71, como melhor ator e melhor produtor pelo conjunto de trabalhos e o filme Os Deuses e os Mortos, respectivamente.
O talento de Flávio Império
“Quando começamos o trabalho – explica Flávio Império, o cenógrafo e figurinista da montagem – estávamos muito interessados na abertura que a obra proporcionava, de rompimento com a linguagem clássica dramática – e o drama realista. Isso me interessou demais: o texto era um pré-texto onde o trabalho de criação podia ser feito em torno”.
Paulistano, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 62, Flávio Império se avizinhou do teatro, simultaneamente com seus estudos. Entre 58 e 62, dirigiu o Grupo de Teatro da Estrada do Vergueiro (Comunidade Cristo Operário). Logo depois passou a integrar as equipes do Oficina e do Teatro de Arena (os movimentos teatrais mais importantes da época). E muitos são os seus trabalhos ali: Arena conta Zumbi e Tiradentes, Andorra de Max Frisch e Os Inimigos de Gorki (ambas dirigidas por José Celso Martinez Corrêa). Também Rosa Viva, de Chico Buarque, Depois da Queda, de Arthut Miller, no Teatro Maria Della Costa.
“Em termos de processo de trabalho, o que se conseguiu em Reveillon foi uma grande afinação, uma visão unitária de espetáculo por todos que participam da montagem. A escolha de objetos (no Hospital do Câncer e no Lar Escola Snao Francisco), foi feito com o comparecimento total de elenco. Cada um procurou, remexeu, até encontrar os acessórios que compusessem seus personagens. O espetáculo está sendo feito pelos atores, então a criação deles é orgênica e mesmo as modificações posteriores que fizerem também serão orgânicas”.
Flávio está afastado do teatro comercial há quatro anos. Fora os cenáros que executa para Maria Bethânia inclusive para A Cena Muda que ela apresenta atualmente em São Paulo, seu trabalho vem sendo desenvolvido fora do palco. Isso porque ele considera que “a instituição teatral – burocracia, status, carreira, afirmação profissional – mata o teatro”.
São diversos os prêmios já conquistados por ele. Em 63 e 64, o Governador do Estado, o Saci da Associação Paulista de Críticos de Teatro. Em 67, o ambicionado Moloère e a medalha de ouro na Bienal de São Paulo.
PAULO LARA