REVEILLON
(1975)

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    Trecho entrevista de Flávio Império a Maria Thereza Vargas e Mariângela Alves de Lima
    Exposição REVER ESPAÇOS
    Centro Cultural São Paulo, 1983
    Acervo Flávio Império; Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Cultura/ Centro Cultural São Paulo

    © Flávio Império

    Reveillon, de Flávio Márcio, começou a ser ensaiado na Maison Suisse, um grande salão de festas. O chão era de taco, de taco encerado, um horror. Parecia uma repartição pública. Um dia olhei o chão e falei para a Regina (Duarte): "Ou levamos esse chão ou perdemos o dado básico do espetáculo." Ela concordou e eu me pus em campo e descobri um chão americano que tinha acabado de chegar ao Brasil. Imita plástico, imita espelho e ao mesmo tempo é taco, que é colocado em placas no chão. É caríssimo, e naquele tempo essa compra foi a parte mais pesada do orçamento.

    Comecei então a desenvolver, em meio ao processo de trabalho, umas coisas que desciam e subiam, umas luzes azuis, umas cores em função do espelho e dos reflexos que a sala até então não tinha tido. Na minha cabeça, a peça sempre significou uma mãe tentando lustrar um chão sempre sem cera e um filho tentando tocar guitarra. O barulho da enceradeira era ensurdecedor para ele e, o da guitarra, ensurdecedor para ela. Esse conflito, que era para mim o início da peça (depois não foi feito assim), ficava claro no barulho da enceradeira e da guitarrra.

    Essa idéia ficou presente para mim. É um outro plano de leitura da realidade. Aquele que se dá no palco e que nem mesmo aparece no laboratório. Deve haver, no palco, um respeito pela ótica da fantasia e que é exigida pelo espectador, e isso eu aprendi com o cenógrafo Svoboda quando ele veio a São Paulo. "Me conta da dramaturgia de vocês. Por acaso dizem dos operários, ou sobre a sociedade de hoje? - eu perguntei. "Imagina" - ele respondeu - "Todo tempo em que o operário está trabalhando na fábrica está consciente. Vai ao teatro esperando o outro lado da gangorra, que é exatamente ver o outro lado da realidade através da fantasia, para um possível contrabalanço." Foi aí que entendi que tudo aquilo que no Brasil diziam ser alienação, na Europa era a função da arte, o destino da arte, quer dizer, vendo a realidade, você suspira pelo prazer estético e alivia a dor do mundo. Entender isso parece uma coisa meio platônica ou aristotélica. Para mim tanto faz. Eu só sei que quem paga para ver um espetáculo, quem me sustenta, adora sair do teatro aliviado, detesta sair pesado. Quem gosta de sair pesado do teatro é uma pequena parcela da intelectualidade que, em geral, pede ingressos de graça porque não tem dinheiro para pagar. Não me agrada ver uma pessoa sair do teatro dizendo: "Graças a Deus que o céu tem estrelas e eu estou respirando um clima ameno". E afinal de contas São Paulo não é só esse terror de frio e chuva, e a minha vida é melhor do que aquelas coisas que aconteceram em cena. Afinal de contas, seu cotidiano é mais parecido com a mulher que passa sua roupa na sua cozinha . Ninguém vive de maneira tão melodramática, atribuindo ao drama um terror de morte.

    Durante os ensaios pedi ao cineasta Djalma Limongi Batista que tirasse fotos. Seria uma documentação do dia a dia do trabalho visual do espetáculo. Há fotos de Paulo José, os atores Sérgio Mamberti e Yara Amaral, ensaios com objetos, que íamos catando no Hospital do Cancêr e no Lar Escola São Francisco, o Arquimedes Ribeiro que era o cenotécnico construindo o cenário.

    FLÁVIO IMPÉRIO