UM BONDE CHAMADO DESEJO
(1962)

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  • PROGRAMA (7/8)
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    Programa do espetáculo
    Composição gráfica desconhecida

    Acervo Flávio Império

    “VEJA HOJE, PORQUE AMANHÃ SERÁ DIFERENTE”

    Muita gente perguntava e pergunta o porquê do nome OFICINA para uma Cia. Teatral. Hoje a resposta está na pequena história da Cia. Em São Paulo, tentando esboçar os significados contidos no seu nome. OFICINA foi o resultado de nossa escolha de tomar o teatro como forma de existência. Conforme nossas existências caminhassem e se formassem, um Teatro caminharia e se iria formar. Entretanto nessa simbiose o teatro levava a pior. Nossas existências não tinham nada a oferecer, nem dinheiro, nem talentos inequívocos, nem técnicos. O que tínhamos era nosso trabalho, e a crença de que pelo seu exercício extrairíamos de nossas existências muita coisa que pudesse servir ao teatro, principalmente tudo que apreendessem os nossos sentidos de nova geração. O Teatro seria portanto uma Oficina de pesquisas continuas para exploração do nosso potencial de recém chegados em benefício de uma constante renovação dramática.

    OFICINA nos transformou e ainda nos está transformando. De amadores a profissionais de inconscientes na interpretação, à adoção de uma consciência de representação pelo aprendizado de Stanislavski. De um simplismo impressionista em nossa ideologia, à constatação da complexidade da arte engajada. Do Teatro como brinquedo ao Teatro como realidade contábil, jurídica, trabalhista etc. Nosso Teatro Oficina, aliás é bem o reflexo desse teatro-em-movimento, de tal forma que pelas suas três reformas consecutivas, merecia um slogan mais ou menos como o de São Paulo ou então alguma coisa como – “Veja hoje, porque amanhã será diferente”. Hoje UM BONDE CHAMADO DESEJO é bem a demonstração da fase em que se encontra o grupo. Um espetáculo absolutamente profissional, num teatro mais confortável e adequado tecnicamente, dentro ainda do Método Stanislavski e apostando uma dura cartada econômica. Ideologicamente, através da peça mostramos nossa concordância com Tennesse Williams no tocante a sua perplexidade perante os choques monstruosos da história moderna no que eles ferem a carne humana. Por outro lado, apesar da perplexidade de Tennesse Williams, estar longe de ser exatamente a nossa, ela ainda tem pontos de contatos com a nossa, nesse momento de crise passa o Teatro de São Paulo quanto aos seus próprios fundamentos e suas razões de ser.

    O grande salto que sofreu nosso teatro, como o aparecimento do autor nacional, com a dessofisticação do estilo de interpretação e como a introdução dos termas políticos e sociais, sofreu esse ano seu primeiro ponto de estrangulamento. Todas as transformações que se esperam, talvez mais importantes dos que as da primeira fase do TBC, necessitavam de uma platéia imensa, provavelmente de todas as camadas sociais que acolhesse seus autores, se espelhasse no estilo simplificado de representação, e principalmente prestigiasse a introdução de suas idéias de emancipação social nos palcos de São Paulo. Essa platéia permitiria talvez a formação de uma infra-estrutura econômica burocrática bastante sólida, que permitisse a incorporação definitiva da historia teatral desse salto tão importante no seu desenvolvimento. De outro lado, a própria tentativa de renovação, por não ter um público juiz nem uma economia e uma burocracia aptas ao seu desenvolvimento, tornou-se anêmica, marginal, alienada, empavoneada com as leis da terra de cego, onde quem conhecia um conceito marxista era rei e acabou por produzir um Reader’s Digest esquerdizante insustentável para quem fez, quem viu e dispensável para quem com ele já estava familiarizado.

    OFICINA, aparecendo como o grupo mais jovem dentro desse esgotamento do primeirio jorro de renovação, assim como as outras Cias. Que o promoveram se vê perante essa situação numa posição de perplexidade e de reexame. Não pode aceitar a regressão a um Teatro estático. Por outro lado não tem o direito de cair, ainda mais em nome de uma filosofia objetiva, e por sua natureza anti-idealista num ceticismo tacanho, numa dogmática não vivenciana. Não pode tão pouco esquecer os grandes temas morais, políticos, filosóficos presentes em todas as épocas em todos os teatros que tiveram alguma dignidade e presença histórica, ainda mais agora que o homem é um ser comprometido no quotidiano economicamente, tecnicamente, portanto envolvido política e mortalmente em todos os dramas humanos. Recusar essa temática, dignificadora do diálogo humano é relegar a cultura ao comadrismo dos “menage a trois” (não importam os tipos de combinações mais insuspeitados) ou a copa-cozinha das mães dominadoras e dos filhos neuróticos. Nesse caso é bem preferível brincar de policia-e-ladrão como esta em voga no momento.

    OFICINA volta-se agora a um texto consagrado da dramaturgia universal. Com isso sem dúvida, tanto nós como nossa platéia, seremos beneficiados. Mas é preciso mais, é preciso arrancar um Teatro Nacional dos sentidos da nova geração. É preciso trabalhar para eliminar o estilo Pelmez de representação, trabalhar para formulações ideológicas mais realistas e generosas, trabalhar, trabalhar muito para a não estagnação. Enquanto estiver em cartaz Um Bonde Chamado Desejo, estaremos na Oficina tentando colaborar na continuação do desenvolvimento interrompido, por essa é ainda nossa razão de ser. Que nosso nome se justifique como o justificou nosso prédio. Tomara que seja sempre um “veja hoje, porque amanhã vai ser diferente”.

    JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA

    UM BONDE CHAMADO DESEJO
    (1962)