ANDORRA | X |
Todo mundo sabe que Max Frisch é um dos autores mais importantes do teatro contemporâneo. Sua peça Biederman e os Incendiários levou-o a ser enquadrado no genérico do Teatro do Absurdo. Mas na verdade ele escapa, aliás como muitos outros a essa classificação. É um autor que pode ser colocado ao lado de Becht e Thornton Wilder, muito embora sua a obra ainda não seja tão extensa quanto a dos outros dois. Na sua peça, Andorra segundo declaração do préoprio Max Frisch, “não representa o país do mesmo nome, nem nenhum outro país particular. É um conceito, mais que um conceito, um símbolo”. E o seu personagem principal representa na sua qualidade de judeu, todos aqueles que são injustamente perseguidos. A peça não admite sentimentalismos, nem muros das lamentações. É dura e cruel. Severa e agressiva. Seus comentários feitos pelos próprios personagens que se dirigem ao público são repassados de um humor acre e nada condescendente.
A montagem foi realizada dentro da mais autêntica linha do Teatro Épico sem concessões, sem malabarismos inúteis. É corajosa na sua atitude de não condescender para “divertir ou segurar” o público. Os personagens mantém sempre a sua relação com o ambiente docial a que pertencem. De uma maneira clara e definida. Pouco importa que certo público sinta-se mal e deixe a sala de espetáculos. Frisch escreveu: “É preciso que a platéia sinta espanto e que de noite, após ter visto a peça, não consiga dormir”.
O espetáculo do Teatro Oficina é um todo. Não interessa realmente quem está melhor ou pior. O diretor José Celso conseguiu essa unidade de conjunto, apesar das desigualdades entre atores, e que é tão rara em nosso teatro. Há unidade de estilo na maneira de representar. Há correspondência na concepção do cenário, no desenho das roupas. Flávio Império é sem exagero um dos nosso melhores cenógrafos e figurinistas. A roupa dos cidadãos de Andorra segue o mais brechtiano dos figurinos, com enchimentos para criar teatralmente os tipos. O cenário de inspiraçao appiana constitui um fundo ameaçador na sua brancura. Nos móveis e objetos de cena sente-se o uso (tão ao gosto de Brecht) ou são integralmente transpostos como no caso das armas dos “roupas negras”.
Renato Borghi é um ator jovem de grande talento. Sua interpretação do jovem judeu Andri é pugente na medida em que a emoção não transborda e recontida. Também não afeta a secura falsa do “distanciamento” mal compreendido. Mauro Mendonça faz um soldado com toda a grossura necessária, com toda uma truculência de efeito. Na sua primeira cena com Miriam Mehler, que é aliás também a primeira da peça, sentia-se uma certa timidez, como que se o ator sondasse o público, receoso. Mas logo depois o ator embarcava sem hesitações. Ivan de Albuquerque compõe fisicamente o personagem do Mestre Escola. E tem uma ótima cena quando o filho declara que quer casar com sua irmã de criação. Mas de uma maneira geral, falta-lhe o peso que o personagem requer. Célia Helena é uma boa atriz que marca a sua interpretação com uma presença dolororsa, repassada de patético. Mas contida, sem derramamentos. Miriam Mehler é o tipo exato para Barblin. Mas em alguns momentos mais expressivos falta-lhe alcance. Não consegue ir até onde o momento pedia. Lineu Dias tem uma grande expressividade cênica quando dialoga com Andri, enquanto veste os paramentos litúrgicos. Como que adquire uma dimensão maior. Já nos diálogos seguintes não convence tanto na sua realidade. Francisco Martins tem uma excelente oportunidade no papel do Idiota. Oportunidade que ele aproveita em toda a extensão. Fernando Peixoto, João José Pompeo, Abrahão Farc e Eugêncio Kusnet compõem os seus tipos com uma precisão e economia de detalhes de bons atores que são. O Coroinha geito por Renato Dobal constitui um momento de humor bem colocado na cena. E finalmente Henriette Morineau no papel da Estrangeira tem uma excelente entrada carregada de mistério. Mas a sua melhor cena é a entrevista com Andri. Carregada de emoção, mas contida.
Sei que muita gente vai achar o espetáculo pesado. Pesado quando isso se torna sinônimo de valor. Quando se exige que do espectador um pouco mais de engajamento, um pouco mais do que o simples divertir-se “post”-refeição. Para os que querem ver bom teatro, teatro do sério e verdadeiro, recomento Andorra.
Max Frisch
Nasceu em Zurique, em 1911. Formou-se em arquitetura. Foi jornalista durante algum tempo. Viajou muito. Desde 1960 vive em Roma. É um dos mais expressivos escritores da atualidade. Sua obra resulta de sua oposição ao neutralismo da Suíça durante a II Guerra Mundial. Seu tema central é a análise do homem diante de um mundo que não poderá esquecer o que aconteceu. É um típico intelectual de após-guerra.
Principais romances: Homo Faber e Eu Sou Stiller. Principais peças: D. Juan ou O Amor Pela Geometria, Biederman e os Incendiários e Andorra. Nesta peça é espantosa a coincidência de sua posição frente ao anti-semitismo, ao fenômeno bode expiatório em geral, com a de Jean-Paul Sartre em seu Reflexion sua la question juive.
MARTIM GONÇALVES