ANDORRA
(1964)

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    Depoimento de Flávio Império a Fernanda Perracini Milani
    1975
    Acervo Flávio Império

    © Flávio Império

    Andorra, montada no Teatro Oficina, em 1964, na arena anterior ao incêndio, teve uma estética especial. Veio depois de Pequenos Burgueses, uma montagem perfeita em todos os sentidos. Como realizar uma nova montagem no mesmo nível? Mas Zé Celso insistiu e fizemos outra, com a mesma afinação, mas com outra estética, completamente diferente. Eis algumas anotações que fiz para o trabalho:

    A)    Tratamento do piso de palco, material poroso cinza chumbo.
    B)    Tratamento de toda extensão das duas paredes laterais (incluindo a área das plateias) com traineis brancos (aniagem grosseira trabalhada com cal branco).
    C)    Carrinhos que corriam pelos corredores laterais e entravam nas laterais da arena alterando simultaneamente os lugares da ação sem interrupção da mesma.
    D)    Sobrecarga da caracterização das personagens, ampliando sua estrutura espacial (barrigas, coturnos) sem romper o caráter realista do drama.
    E)    Estudo isolado de cada cena para extrair do drama todo o seu conteúdo social e psicológico ao nível quase do teatro épico sem romper a coerência interna da tessitura dramática, (as fotos são: o registro dos carrinhos em frente aos traineis das laterais da arena, o registro da caracterização de alguns dos personagens mais importantes da peça.)
    F)    Suspensos no teto do teatro, pintado de preto ficavam formas abstratas com imagens e textos iluminados por dentro em determinados momentos da ação, contendo uma carga semântica de comentário, embora sempre utilizado como elemento “realista” na cena: cartazes, anúncios, vitrais de igrejas etc.

    A limpeza do tratamento espacial era extraída do conteúdo básico do texto. E praticamente existiam duas não cores: o branco e o preto.
    As variações eram muito sutis: vários brancos e vários pretos. Essa linguagem dualista e quase maniqueísta dos elementos visuais estabelecia os polos opostos da construção do drama. Branco era a cor de Andorra. Preto era a dos invasores. O marrom e o azul eram as cores das personagens com os quais os personagens centrais criavam maior empatia com a plateia, Andorra e os invasores eram um museu de cera cujos valores eram inumanos e absolutos.
    O branco e o preto eram o preconceito – o marrom e o azul eram os homens no seu universo complexo e incoerente que esbarravam, por todos os lados, com o bloqueio dos preconceitos – tanto brancos como pretos.
    Andorra foi uma experiência de teatro realista muito próxima do teatro épico. Foi montado em seguida de Pequenos burgueses pela mesma equipe e com a mesma direção. A abertura épica de Andorra foi desembocar depois em  Os inimigos , feita sobre os mesmos princípios, e também em O rei da vela cuja estrutura dramática permitiu um rompimento, agora estrutural, com o drama realista e incorporou-se ao teatro brasileiro como a primeira grande experiência, dos anos 60, sobre a estrutura narrativa aberta, talvez, indo mais além dos esquemas usados pelo próprio Brecht no Berliner Ensemble, incorporando várias “formas” da linguagem brasileira - carnaval, musical, Chacrinha, etc.

    FLÁVIO IMPÉRIO

    ANDORRA
    (1964)