LABIRINTO: BALANÇO DA VIDA
(1973)

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  • REPERCUSSÃO (2/3)
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    Sábato Magaldi
    Jornal da Tarde
    Abril de 1973

    © Sábato Magaldi

    Labirinto não é um recital. É um espetáculo inédito.
    WALMOR CRIA UM NOVO PERSONAGEM: ELE MESMO

    Um espetáculo requintado, esse Labirinto, Balanço da Vida, em cartaz no Teatro Cacilda Becker. A interpretação de Walmor Chagas, o desempenho de um conjunto musical e demais elementos tudo coordenado por Flávio Império – se fundem para oferecer ao público uma experiência inédita em nosso palco.

    Inédita porque a sucessão de quase apenas poemas não se resume a um recital de poesia e a presença dos instrumentistas não se limita a um acompanhamento musical. Literatura, musica e artes plásticas (mobilizadas estas no chão de estrela de Flávio Império, em que se transformou o palco e nos belos slides com fotos de Djalma Batista) estão organicamente trabalhadas e projetam para o primeiro plano a figura de Walmor Chagas.

    Talvez Walmor não se satisfaça hoje com nenhuma personagem e por outro lado, não desejo contentar-se com um texto próprio. Assim a solução, para comunicar-se com o público é reunir a matéria de poesia que, ao longo dos anos, se incorporou à sua personalidade e à de todo um grupo literário chegado a faixa dos quarenta anos. A soma desses textos, apoiada nos recursos audiovisuais, formando um universo mitológico próprio, cria o personagem Walmor Chagas, interpretado por ele mesmo. 

    Veja-se em primeiro lugar o interprete. É um ator que dominando todos os segredos do palco, se entrega a fundo quando se trata de revelar a própria substância. Não há truque, escamoteação mera teatralidade. Walmor se põe nu diante da platéia, utilizando as simples armas de um grande talento e de uma sensibilidade privilegiada. Uma secreta convivência com as coisas lhe permite manejar a ironia ou se derramar em paixão, descobrindo sempre uma verdade irrevelada nos poemas. A figura, a bela voz, a maestria dos gestos, a inteligência dos efeitos impedem que se perca uma só intenção.

    Labirinto, por outro lado, exprime o descaminho em que se meteu tanta gente, em nossos dias. Na verdade, é necessária uma sabedoria incomum, para suportar tantos fatores adversos. Mas o papel do intelectual, de qualquer forma, captando todas as insatisfações que andam pelo ar, é de submete-las ao crivo do raciocínio e encontrar uma resposta lúcida à ameaça do absurdo. Walmor prefere sentir-se o centro de todas as contradições e apenas dizer, como ultimas palavras do espetáculo “Vou onde o vento me leva e não sinto pensar...”

    Ainda bem que há uma evidente contradição entre a evasiva do verso e o espetáculo, em que nenhum vento soprou o acaso e o pensamento se mostra palpável, soberano nas suas disciplinadas exigências artísticas. As discutíveis referências cabalísticas e a simbologia insatisfatória se curvam ante a poderosa inteligência de Flávio Império, bem maior do que os imaturos desvios de sensibilidade. Labirinto é, sobretudo, uma nova e vigorosa afirmação de Walmor e Flávio dois artistas que pareciam ter-se entregue ao irracionalismo do mundo.

    A musica não é o tradicional acompanhamento da partitura que melhor se ajusta a um texto. Ela foi composta para funcionar com a poesia e o interprete, tornando-se discreta quando cabe o primeiro plano à palavra e assumindo a liderança quando o requer o ritimo global da montagem. Sempre na justa medida, num entrosamento com o ator como nunca se viu entre nós.

    Esses valores todos criam uma ponte especial com o público transcendendo a posição daqueles que, muitas vezes, preferem ler em casa a poesia a ouvi-la num espetáculo. O segredo maior do sucesso de Labirinto está em que não se resume a um recital de poesia (gênero para muitos incompleto), mas se converte em vibrante obra de teatro.

    Labirinto – Walmor Chagas

    Diz textos de Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Rimbaud, Chico Buarque de Holanda. Caetano Veloso, Orestes Barbosa, Paulo Hecker Filho, Unammo. Roteiro de Flávio Império e Maria Thereza Vargas. O espetáculo conta com a participação da atriz Heart Smile e dos músicos: Palhinha (guitarra) Guilherme (piano e órgão) Peter (baixo) Íon (flauta e sax), Zé Eduardo (bateria), slides de Djalma Batista. De terça a sexta às 21h. Sábados: às 20h e 22h30. Domingos: às 18h e 21h. Ingressos Cr$ 10,00 e estudantes Cr$5,00. Teatro Cacilda Becker (Av. Brigadeiro Luis Antonio, 917) Telefone 33-9527 e 32-0263 (Casa do Espectador)

    SÁBATO MAGALDI

    LABIRINTO: BALANÇO DA VIDA
    (1973)