PANO DE BOCA
(1976)

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  • DEPOIMENTOS (2/4)
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    Texto para o programa do espetáculo
    Acervo Flávio Império

    © Flávio Império

    Pano de boca não é uma “peça” de teatro convencional, mas uma programação através de “elementos teatrais” de uma reflexão sobre nós, o teatro.

    O tratamento do galpão-platéia 13 de maio não é, portanto, um “cenário”, mas uma programação através de “elementos cenográficos” de um espaço para essa ação dramática reflexiva.

    O “palco” será simplesmente um grande praticável circular (mandala) sobre o chão do galpão. Não é palco (único lugar da ação), mas um dos “lugares da ação”.

    A rotunda não é senão uma rotunda – um objeto. Aqui, ela é um objeto teatral em si, enorme, velha e desgastada, sem função específica a não ser a sua própria teatralidade. Através do movimento (vento) da iluminação (contra-luz, ou luz frontal), e projeção de slides, poderá vir a sugerir vários climas que podem ir, de um velho circo mambembe e falido, a uma enorme embarcação etc etc...

    Duas “varandas” laterais, que também não são varandas, mas elementos do palco convencional que permitem o transporte da plateia pelas cochias misteriosas da velha “caixa de cena” herdadas do tempo dos nossos bisavós, habitadas hoje pelo passeio dos “fantasmas das óperas” da nossa infância.

    O teatro de palco acabou. Já faz tempo que esses fantasmas perambulam entre velhos pedaços de cenário espalhados por todo o galpão, vestindo roupas velhas e de vários estilos, numa história louca e fragmentada da nossa imagem-memoriação.

    O galpão do Treze de Maio conteria os registros mais marcantes desse brinquedo-arte que foi o teatro que, como o circo, teve o seu tempo social.

    Refletir sobre o anacronismo do palco (ilusão dramática da vida) exige que se reúna “ao vivo” os restos mortais dos depósitos do Teatro Municipal e de outros Teatros, roupas das velhas rouparias e objetos dos velhos porões empoeirados.

    Feito da reunião desse tipo de lixo, o lugar da ação passa a incluir poltronas, corredores e público em comunhão. O público, esse virá espontaneamente, completar o reencontro, colocando-se, ordenadamente, entre os escombros, como é seu costume.

    A “luz da plateia” irá cair aos poucos e os fantasmas da imagem-memória reencarnarão, à vista de todos, os seus papeis intermediários, entre o sonho e a realidade, entre a realidade e o sonho. Não será contada nenhuma estória, estaremos todos simplesmente retomando o “teatro do palco”, como guias antropológicos dos nossos próprios personagens clichês: eu, no caso, faço o papel do cenógrafo, portanto, não estarei “presente”...

    O Pano de Boca roto e podre, com suas máscaras do riso e do choro desbotadas, a ribalta mal iluminando os escombros semiencobertos pelo terremoto, serão cenário, propriamente dito, das nossas ruínas. Como se tudo se passe num “hoje-daqui muito tempo”, e nós insistíssemos em ficar aderidos à matéria do teatro-ficção entre a vida e a morte.

    O mais engraçado é que sempre teríamos público...

    FLÁVIO IMPÉRIO

    PANO DE BOCA
    (1976)