OTHELLO
(1982)

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  • REPERCUSSÃO (2/2)
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    Clóvis Garcia
    O Estado de São Paulo
    9 de fevereiro de 1982

    Acervo Flávio Império

    © Clóvis Garcia

    Excepcional tratamento de espaço em Othello

    A montagem de Othello é uma boa montagem, diga-se logo, por Juca de Oliveira e Sérgio Farná D'Antino, se é um ato de coragem é também um indicativo da vitalidade do nosso teatro e da volta do interesse pelos clássicos. Mas o importante é que o público, pelo menos na primeira semana, está correpondendo e, se pensarmos que grande parte da nova geração ainda não vira encenada uma obra de Shakespeare, o contingente de jovens entre os espectadores é um indício altamente animador.

    Nenhuma obra de Shakespeare é simples e sempre permite mais de uma leitura. No caso de Othello, o drama do ciúme que ressalta na linha do entrecho, vem acompanhado da luta pelo poder, da disputa de cargos inevitável nas cúpulas absolutistas, e da discriminação racial. Mas, sem dúvida, o machismo que dá `honra marital o direito de punir a espesa infiel - e Othello é condenado apenas porque se verifica que Desdêmona era inocente, pois se fosse culpada o marido estaria justificado é um tema importante e sempre atual, o que faz com que essa tragédia, representada a primeira vez em 1604, continue tão contemporânea.

    Na encenação do Teatro de Cultura Artístuca, o desenvolvimento do ciúme, falha trágica de Othello, é colocado em foco, o que dá um destaque especial ao personagem de Iago, o maldoso meneur de jeu de todo o conflito. E como é compensador ver a habilidade de Shakespeare em dar ao conflito uma evolução rigorsamente cênica. Sob esse aspecto, a montagem, com todos os cortes de personagens, diálogos, adaptação de linguagem, é fiel a Shakespeare. Já o despojamento de toda ênfase convencional, humanizando os personagens e dando uma linha realista à representação, pode suscitar incompreensões. Entretanto, é o que fez Peter Brook com Antônio e Cleópatra, em 1979, o que não impediu que uma velha atriz o criticasse, declarando que a maravilhosa Glenda Jackson mais parecia uma mulher qualquer do que a rainha do Egito. O resultado, porém, é aproximar Shakespeare de um público moderno, desinformado - e, no caso do Brasil, com muito mais razão - o que nos parece altamente positivo. Nesse sentido, a montagem de Juca de Olveira é inteiramente acertada e, apenas, se pode lamentar que o mito da direção coletiva tenha impedido uma maior unidade cênica, que transformasse o espetáculo de bom em extraordinário.

    Excepcional, isso sim, é o tratamento do espaço, na linha formalista, a mais adequada para atender à multiplicidade de cenas. Com recursos simples, Flávio Império obtém a variação de cenas com belos efeitos visuais, auxiliado pela também excepcional iluminação de Iacov Hillel. Quando aos figurinos de Murilo Sola, a escolha de culotes para os personagens masculinos, traje adequado apenas à montaria, não foi acertada, pois prejudica a imagem cênica, o que é mais grave no caso de Othello. Já a indumentária feminina está melhor realizada.

    No elenco, Juca de Oliveira nos faz esquecer seus perosnagens populares, inclusuve superando um certo sotaque peninsular, dando força e dignidade ao Mouro. Oswaldo Raimo vence as dificuldades de seu primeiro papel importante, num trabalho convincente. Ney Latorraca, numa linha despojada, sem recorrer aos chavões do personagem, nos dá uma excelente interpretação de Iago, formando com Cacilda Lanuzza, extraordinária na cena final, que é a grande oportunidade do papel, a melhor dupla do espetáculo. Carlos Augusto Carvalho cometeu um equívoco, pois Rodrigo não é um tolo, a não ser para Iago, mas um ingênuo, o que é importante na trama. Os demais estão suficientemente ajustados mas, sem dúvida, falta a Christiane Rando maior experiência para viver Desdêmona.

    Sensibilidade shakesperiana

    Duas épocas clássicas do escritor inglês William Shakespeare estão em cartaz em São Paulo: Othello, no Teatro Cultura Artística, e Hamlet, no Teatro Brasileiro de Comédia. A primeira volta a ser encenada depois de 26 anos, com o ator Juca de Oliveira, no papel principal, enquanto Hamlet, definida pelo diretor Antônio Abujamra como uma interpretação da obra de Shakespeare, tem Miguel Magno e Ricardo de Almeida como dois dos atores do espetáculo.

    As atuais montagens, entretanto, têm uma só finalidade: mostrar que os valores e comportamentos apontados nos textos escritos há alguns séculos continuam atuais. Entre esses valores e reações do comportamento humano se encontram o poder, a ambição, a traição, a inveja e a ira, entre outros, ora tratados dentro da tragédia, comédia, ou apenas historicamente.

    Macbeth, Romeu e Julieta, A Megera Domada, Henrique V e Ricardo III são algumas das montagens dos textos shakesperianos que o público paulista teve a oportunidade de assistir. E foi com as cenas destas, além de outras 18 obras do autor inglês que, no Rio de Janeiro, por ocasião do quarto centenário de nascimento de Shakespeare, em 64, Sérgio Brito, Ítalo Rossi e Sérgio Viotti, entre outros, fizeram a leitura dramática de Os Jogos do poder, uma coletânea de fragmentos de peças que expressam as reações humanas.

    CLÓVIS GARCIA

    OTHELLO
    (1982)