OS FUZIS DE DONA THEREZA | X |
Uma direção chamada Flávio Império – I
Entre os vários méritos de teatro feito por e para os estudantes universitários, os mais importantes são, a meu ver, a apresentação estimulante e polêmica de textos inéditos, ou de reconhecida valia, e o nascimento ou a confirmação, de ótimos diretores novos. Desta vez, a surpresa nos foi dada pelo TUSP. O texto escolhido era a velha e cansada peça em um ato de B. Brecht, Os fuzis da Senhora Carrar, que o público paulista já conhecia através de uma anterior versão, pferecida pelo Teatro de Arena numa esplêndida interpretação de Dina Lisboa.
A peça, de um didatismo primário, pertence à fase em que Brecht, depois da experiência Piscator, começava a formular sua teoria sobre o teatro épico e foi escrita, coisa que não convém esquecer, sob a solicitação de H. Weigel, sua esposa e excelente atriz (que já, antes da Mãe Carrar, tinha interpretado, numa adaptação de Brecht, A Mãe, de Gorki e, mais tarde, interpretara a famosíssima Mãe Coragem onde alcançara o ponto mais alto de sua arte de intérprete).
Peça, portanto, de protagonista absoluta, onde a mãe, epicentro dramático de toda a estória, não comente conduz e determina situações mas provoca o comportamento de todas as outras personagens que vivem, quase que exclusivamente, em função de réplica: típico exemplo de uma dramaturgia clássica construída toda em redor, e em função, de um caracter central, responsável da tese do autor.
Flávio Império se manifesta, de imediato e surpresivamente, como diretor lúcido e, intrinsecamente, revolucionário, não tanto pela série de invenções autônomas que enriquecem is vaalore slógicos e emotivos do texto, quanto pela fundamental impostação do espetáculo onde os termos propostos por Brecht são reformulados numa nova visão dramatúrgica que desloca o epicentro do drama da Mãe Carrar para o Coro, ampliando a dimensão dramática do texto que passa a significar Brecht mais através da participação coletiva que através da singularidade da emoção da potagonista. E tudo isso sem danificar, alterar ou mistificar as intenções do autor, mas, pelo contrário, dilatando-as para uma compreensão e uma comunicação mais atuais e atuantes.
(A operação realizada por Flávio, é análoga àquela revolucionária de Eleonora Duse quando, interpretando Os Espectros de Ibsen, teve a coragem de colocar no centro do drama não a figura de Osvaldo, segundo as indicações confessas e manifestadas pelo próprio autor e pela sucessiva tradição dos atores-intéroretes do célebre drama, mas a figura da Senhora Alving, a mãe, criando assim dois epicentros dramáticos, e configurando portanto uma nova geometria na velha estrutura tradicional que, porteriormente, sobre esta intuição genial da Duse, se lançara para conquistas definitivas para a moderna estrutura dramatúrgica.)
O mérito deste espetáculo reside principalmente na direção; isso porém não exclui os elogios para os jovens intérpretes, injustamente escondidos num anonimato de franciscana memória, impróprio para tempos de clamoro ruído. (cont.)
ALBERTO D’AVERSA