LIBERTAS QUAE SERA TAMEM | X |
Harmonia e Emoção em Libertas
Libertas que sera tamen é a obra de maior fôlego do atual repertório do Corpo de Baile Municipal não só por ser a mais extensa em duração (pouco mais de uma hora), mas também porque é o resultado da reunião feliz do trabalho de profissionais de diversas áreas. A música de Egberto Gismonti, a coreografia de Luís Arrieta, os cenários e figurinos de Flávio Império, a direção e iluminação de Iacov Hillel e a interpretação do grupo de bailarinos do Corpo de Baile se harmonizam com perfeição, numa recriação livre do Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles.
Na proposta dos idealizadores do espetáculo, a poesia de Cecília Meireles é traduzida em quadros que servem mais para comunicar o clima e a atmosfera da Inconfidência Mineira que para narrar de maneira linear os acontecimentos históricos. Esse clima é sempre fortemente emocional, envolvendo amor, religiosidade, conspiração e desespero. Essas emoções ganham vida no palco a partir de alegorias como o “Ouro” ou a “Santa”, que contracenanm com as figuras de Tiradentes ou Chica da Silva. Desse relacionamento é que se perceber uma história sendo contada. É bastante esclarecedor, por exemplo, que na primeira cena da rainha a presença do ouro seja tão forte, tanto nos figurinos quanto no personagem “Ouro", que dança atrás da cortina de véus.
O resultado cênico nunca deixa de surpreender. A beleza pode aparecer num figurino de Flávio Império ou num efeito de luz e sombra da iluminação de Iacov Hillel. Acima de tudo, Libertas empolga pelo casamento perfeito da música de Egberto Gismonti com a coreografia de Luís Arrieta.
Às vezes, como no início do espetáculo, a música corre num sentido e a coreografia segue uma trilha paralela. Esse tipo de utilização da música dá ampla liberdade ao coreógrafo, que parece apenas se apoiar levemente na trilha sonora. Outras vezes, principalmente nos momentos de maior intensidade emocional, Arrieta sublinha a marcação rítmica da música com gestos firmes e amplos. O resultado é um crescendo de emoções que envolve o espectador por completo.
Trabalhando a partir de uma idéia original de Antonio Carlos Cardoso, Arrieta continua afirmando-se como um coreógrafo de imaginação. Seu domínio se exerce tanto na organização dos movimentos quanto na beleza dos movimentos dos pas-de-deux. A delicadeza do grupo de sombrinhas brancas, no início do espetáculo, mostra como o coreógrafo consegue tirar partido de um efeito visual muito simples.
As idéias de Arrieta ganham poder de comunicação porque grupo de bailarinos do Corpo de Baile dança com uma entrega total aos movimentos. A qualidade da interpretaçã se revela na sensualidade do grupo de mucamas de Chica da Silva, na força do grupo que acompanha Tiradentes, no trio macabro da corte da Rainha, na dança de Ivonice Satie e Jairo Sette, e na intensidade dramática de Simone Ferro.
Quando, no final do espetáculo, os bailarinos dançam com suas roupas de ensaio, é possível sentir uma alegria autêntica impregnando o palco. Essa alegria revela um grupo em pleno amadurecimento, dominando e ampliando seus recursos expressivos, e colocando esses recursos a serviço de idéias sólidas e importantes.
ACÁCIO R. VALLIM JR.