ABSURDOS, OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRSULES
(1984)

X
  • REPERCUSSÃO (2/5)
  •  
    X
     
    Antonio Mafra
    O Globo
    05 de maio de 1984

    Acervo Flávio Império

    © Antonio Mafra

    Explosões de intuição
    O Balé da Cidade estréia Absurdos no Municipal de São Paulo

    Absurdos, espetáculo de dança criado por Flávio Império e Suzana Yamauchi, estreou anteontem com o Balé da Cidade de São Paulo, no Teatro Municipal paulista. Improvisado, mas muito criativo, o espetáculo serve como uma espécie de resposta à emperrada máquina oficiaI que pouco ou quase nada tem feito para apoiar esse setor. No entanto, mal divulgada, a peça foi vista por apenas um quinto da lotação do teatro — e, se chegou a ser levada em cena, foi por causa de um esforço coletivo da companhia.

    Apontando, depois do espetáculo, as poltronas vazias, Flávio Império perguntava como é que, com bons profissionais e um bom histórico, o Balé da Cidade — que já apresentou excelentes trabalhos, como Libertas, Cenas de família e Certas mulheres — não consegue casa cheia, embora cobrando ingressos baratíssimos (entre Cr$ 400 a Cr$ 2 mil). Comenta Flávio, que também ajudou a criar o figurino e a trilha sonora, além da concepçáo em si:

    Absurdos, como a própria palavra diz, são explosões de intuição. Foram idéias que surgiram, iam sendo testadas e desenvolvidas no próprio palco. O roteiro que foi mostrado hoje (anteontem), ficou pronto dois dias antes da estréia.

    O Balé da Cidade de São Paulo teve apenas 40 dias, se tanto, para pesquisar, criar, definir, ensaiar e mostrar um trabalho pronto. A média de tempo exigida para preparar um espetáculo como esses é em torno de três meses; às vezes, demora até um ano. Agora, o balé depende de patrocínio para ampliar uma temporada que se estende por cidades do interior paulista — como informou a diretora da companhia, Julia Ziviani — e prossegue num circuito brasileiro, partindo de Manaus para as principais capitais.

    Suzana Yamauchi — que é novata, como roteirista, mas tem um desempenho de veterana — conta que, para a elaboração do espetáculo multa coisa foi tirada do cotidiano do próprio corpo de baile e das pessoas envolvidas com o trabalho". Acrescenta Suzana:

    - Foi uma viagem entre a fantasia e o fato real A gente não teve preconceitos nem escrúpulos em utilizar qualquer estilo de dança. Eu e o Flávio mudávamos os movimentos, se o que concebíamos não tinha bom resultado, no palco. Nossa filosofia era: "Não dá certo, parte pra outra".

    O começo de Absurdos é impressionante — quando as cortinas se abrem, uma belíssima iluminação cria um fundo infinito; é o cenário para o quadro Espadas, marcado por movimentos rápidos e vigorosos, como nas lutas marciais orientais. Esse jogo de luz que, com variações, é usado em outros quadros, foi conseguido por Flávio Império utilizando o espelho de uma antiga ópera.

    Pique, Olimpondas, quadro em que o destaque é o figurino, com macacões collants listrados, assimétricos, e a utilização da mímica, para representar movimentos marítimos —; e Três tempos e Planetóides — em que aparecem curiosos efeitos de luz, no pas-de-deux de um astronauta e de um ovni — mesclam passos tradicionais de balé com construções que ferem a sensibilidade dos puristas. Nada, que vem depois de Ovos e Abelhas, quadros em que o humor é a tônica, é, sem dúvida, a passagem à qual o público reage com maior empatia.

    O quadro seguinte, TarântuIa, explora a linha tragicômica da dança. Uma mulher, brilhantemente interpretada por- Ana Maria Mondini, atrai três parceiros (programa não dá seus nomes) e, na penumbra, mata-os com beijos envenados. O tango influencia os movimentos nos pas-de-deux dessa passagem. 

    Brasis, cuja coreografia, com uma batucada, não cai nas mesmices dos passos conhecidos, prepara o campo para o final apoteótico-apocalíptico — é o, Persegue cão, um lance rápido, quase instantáneo, com o tema de um linchamento. Absurdos termina com Secretária eletrônica, que os movimentos da dança incorporam passos da Break dance, que os breakmen, exibem diariamente nas ruas do centro da cidade.

    ANTONIO MAFRA

    ABSURDOS, OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRSULES
    (1984)