ABSURDOS, OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRSULES
(1984)

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  • REPERCUSSÃO (3/5)
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    Helena Katz
    Folha de S. Paulo
    8 de maio de 1984

    Acervo Flávio Império

    © Helena Katz

    Prazer de corpos em movimento

    O termômetro que mede Absurdos, o novo espetáculo que o Balé da Cidade de São Paulo apresenta até amanhã no Teatro Municipal, é o prazer. Esta é a sua característica básica, que se transforma no mérito de Os Doze Trabalhos de Flérsules (o subtítulo da nova montagem), ao mesmo tempo que o vitima.

    Pelo seguinte: o prazer de brincar com corpos em movimento, de alargar os limites da ação de uma coreografia estão mesmo em cena. Mas a leveza do seu resultado desnuda impiedosamente uma carência fundamental: com um vocabulário tão curto quanto o que Absurdos exibe, a exploração proposta fica restrita ao plano das idéias. Não alcança a confecção coreográfica.

    Absurdos não é um móbile, pois seus pedaços não se relacionam organicamente. Trata-se de um olhar sobre o urbano, com todas as acidentalidades presentes em um olhar. Assim, os doze quadros atuais permitem, por exemplo, compactação, expansão ou substituição eventuais. E isso é estimulante, como a sua própria concepção atual, aliás.

    De certa forma, o dia a dia da cidade grande está lá. Como o programa de rádio que açula a violência (Nada), a expansão dos esportes (Olimpondas), a questão feminina (Tarântula), a padronização da sociedade (Secretária Eletrônica) ou a refrescante visão sobre o já conhecido (o final da tradicionalíssima Sylphide em jeans).

    Neste seu primeiro trabalho comum, Suzana Yamauchi e Flávio Império buscaram uma ampliação de linguagem. Recolheram situações pouco usuais em dança (como faxineiras seduzidas pela mágica de um ensaio ou corridinhas amigáveis pelo palco) e recursos de outras mídias (como as lindas retroprojeções à la Regina Chopinot). Tudo isso é positivo e teria resultado numa supercoreografia, caso a própria dança não surgisse como o pior elo de uma cadeia que, com sua superficialidade, impede que seja formada. Pois figurinos, iluminação e cenografia estão todos ótimos.

    O mais positivo desta estréia, contudo, fica por conta da boa atuação de Júlia Ziviani como diretora do Balé da Cidade. Primeiro, por investir em coreógrafos jovens e brasileiros. Suzana Yamauchi, por exemplo, merece todas as oportunidades disponíveis para solidificar um talento coreográfico inegável (se o resultado de Absurdos não é perfeito, o que é que nasce perfeito em arte? Detalhe: Suzana tem apenas 25 anos). E depois, por nos devolver, passadas crises sérias, uma companhia que parece, enfim, ter recuperado seu eixo. Amadurecimentos como os de Ana Verônica, Lilia Shaw ou Marcos Verzani, por exemplo, só acontecem quando existe um bom direcionamento. Uma bela estréia, tanto para a companhia, quanto para sua direção.

    HELENA KATZ

    ABSURDOS, OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRSULES
    (1984)