ABSURDOS, OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRSULES | X |
Fonte de surpresas que peca pela fragmentação
Absurdos pertence a uma categoria de espetáculo que alinhava quadros e situações sem ligação entre si. Apoiados na afirmativa de que a imaginação tudo permite (isso é verdade, sem dúvida alguma), Flávio Império e Suzana Yamauchi povoaram o palco do Teatro Municipal com uma série de imagens cuja única razão de ser é a fantasia. Nesse aspecto, Absurdos é uma fonte inesgotável de prazer e surpresa. A um enxame de abelhas pode-se seguir um grupo de astronautas à procura de uma pedra misteriosa, banhistas em roupas características ou então uma mulher-tarântula que mata seus parceiros. Tudo é possível e permitido.
Raras vezes o Balé da Cidade de São Paulo apresentou um espetáculo tão dinâmico e bem estruturado. Absurdos reinstala no grupo o prazer de dançar. Cada intérprete, individualmente, consegue criar e expressar uma gama extensa de emoções e sentimentos. E o grupo, apesar dos desencontros naturais numa temporada de estréia, transmite uma alegria sincera e uma entrega ao trabalho contagiante.
Por mais inteligente que seja em sua concepção e na capacidade de encantar o espectador com suas soluções mágicas, Absurdos deixa, no balanço final, uma sensação de frustração. A proposta de quadros criados impossibilita a apreensão do trabalho como uma unidade. Por um lado, Absurdos expressa com perfeição uma relidade fragmentada que coloca violência e lirismo num mesmo nível. Sob esse ponto de vista o trabalho é inquestionável. Da vida fazem parte, como mostra o espetáculo, tanto Gil Gomes quanto Erik Satie.
Por outro lado, diante de tantos recursos bem usados, de uma coreografia que é nítida e construída com clareza, de um grupo de intérpretes excepcional (com destaque para Ana Maria Mondini em Tarântula e para Mônica Mion e Marcos Verzani como o casal de banhistas) e de efeitos técnicos usados com adequação, fica a vontade de uma obra que funcionasse como um todo e transmitisse uma unidade. Absurdos é uma peça fragmentada em excesso. Diante dela é sempre possível um comentário do tipo “gostei de tal trecho, não gostei daquele outro”. Talvez a insatisfação provocada por Absurdos venha do anseio de uma unidade impossível de, no momento, ser encontrada em obra de arte.
ACACIO R. VALLIM JR.