SHOWS DE MARIA BETHANIA

“Bethânia estava guardada num ovo de vidro esperando o seu momento. O mesmo ovo que guarda Flávio Império, Clarice Lispector, pessoas que também aguardavam...”. O texto do diretor Fauzi Arap para o programa do espetáculo “Rosa dos Ventos” (1971) sublinha a importância deste, que foi o primeiro de uma série de shows realizados visualmente por Flávio Império. A parceria dos artistas, iniciada ali, perduraria por mais de dez anos e representaria uma revolução estética.

“Rosa dos Ventos” marcou época, não só por seu lirismo e relevância política. Ele inaugurou um modo inédito de conceber espetáculos de música por um viés teatral. Canções e textos compunham um roteiro dramatúrgico íntegro; os cenários e os figurinos (obra de Flávio) tinham papel essencial, metafórico; a interpretação propunha uma leitura cênica ampla.

Flávio Império era um maestro visual que operava, junto do diretor, a poiesis do show. O próprio cenógrafo explica: “O Fauzi é uma espécie de autor do que Bethânia falava e eu era uma espécie de tutor de como ela se apresentava”. Sua atuação era preponderante na transformação de todo o espaço. Em “Rosa dos Ventos”, por exemplo, o público já era recebido na porta do Teatro da Praia (RJ) com um estandarte que unificava o rosto de Bethânia com o de Caetano, então exilado.

Após o espetáculo de 1971, o artista elaborou plasticamente outras seis montagens da intérprete: A Cena Muda (1974); Os Doces Bárbaros (1976), este com Gil, Caetano e Gal; Pássaro da Manhã (1977); Maria Bethânia (1979); Estranha Forma de Vida (1981) e 20 Anos de Paixão (1985). No programa do último trabalho, dirigido por Bibi Ferreira, Bethânia homenageava o amigo recém-falecido: “As tuas mãos criativas e marcadas / Desenharam para o meu corpo e meu chão / E mais além para o meu coração”.

O traço de Flávio transbordava a ribalta e adentrava o espaço do espectador. Não raro, sugeria mudanças na arquitetura do tablado, pela colocação de plataformas, planos inclinados, apêndices e estruturas que irrompiam a boca de cena e avançavam sobre a plateia. Introduziu materiais e técnicas que se tornariam paradigmáticos na cenografia, dentre eles os tecidos, as malhas tensionadas, a serigrafia, as peças reflexivas.

Flávio transitava com igual naturalidade por influências aparentemente opostas: ora com predomínio de linhas concretas, típicas da arte contemporânea, ora com referências artesanais do Brasil arcaico. Os figurinos dos shows deixavam de ter valor ornamental para ganhar importância simbólica. A concepção de indumentárias incluía não só a cantora, mas também os músicos.

A abstração poética de Fauzi Arap e o jorro interpretativo de Maria Bethânia encontravam eco nas metáforas visuais de Flávio Império. Com suas mãos de alquimistas, eles moldaram, no espaço e no tempo, um novo padrão para os espetáculos musicais.

ROSA DOS VENTOS (1971)

A CENA MUDA (1974)

DOCES BÁRBAROS (1976)

PÁSSARO DA MANHÃ (1977)

MARIA BETHANIA, 20 ANOS DE PAIXÃO (1985)