No texto publicado no programa do espetáculo O Melhor Juiz, o Rei, Flávio Império propõe um reposicionamento do significado e papel do objeto no âmbito teatral, discussão sintonizada com o debate dominante em todo o ambiente artístico da época.
Sobre o palco em arena, elementos de cena, de desenho e construção bastante despojados, servem como base para a coreografia dos atores enquanto figurinos apresentam-se como elementos de elaboração bastante complexa, jogando com texturas e signos. Tratam-se de vestimentas construídas através da sobreposição de materiais pouco convencionais nos palcos: carpete, tecido de juta, borracha, etc.
“Nos materiais, contudo, a marca da produtividade ficcional é evidente e se traduz pela renda tingida, pela bota de borracha e pelo tecido de algodão que deve sugerir a inserção dessa história na vida contemporânea. Entre nós, ao que parece, essas soluções adotadas, tanto para o espaço quanto para a roupa, são as primeiras a propor a idéia de um teatro “teatral”. O teatral seria não apenas um efeito de distanciamento, mas um apelo à capacidade do espectador de aceitar e apreciar uma verdade artística.” (*)
Comemorando o quarto centenário de nascimento do espanhol Lope de Vega, o Teatro de Arena de São Paulo levou ao palco, em 1963, uma adaptação de sua clássica comédia O melhor juiz, o rei. Augusto Boal, Paulo José e Gianfrancesco Guarnieri se encarregaram da recriação desenhando um novo desfecho para a história do casamento de Sancho e Elvira.
O lavrador Sancho quer casar-se com a campesina Elvira, para tal necessita do consentimento de Don Tello, senhor daquelas terras. Este ao ver tão bela rapariga se enamora, adia a resposta aos noivos e ordena, a seus asseclas, que raptem-na para seu próprio deleite. Ciente do feito, Sancho vai pedir ajuda ao rei.
Na obra original, Lope de Vega, monarquista convicto, exalta o poder absoluto do rei e faz com que este puna pessoalmente o aristocrata, no empenho de praticar a justiça devida a um camponês.
Na obra encenada pelo Arena o camponês toma as rédeas do jogo para si. Duvidando da possibilidade de um monarca ser justo, ou bom para com um simples camponês, e crendo que o único ser justo é e será sempre o povo, Boal, Paulo e Guarnieiri reestruturam o final da peça, fazendo com que surgissem novas falas na boca dos mesmos personagens:
Pois agora vejo claro que é inútil pedir justiça ao poder contra o poder, diz Sancho na versão do Teatro de Arena de São Paulo. Entendendo que a justiça não lhe seria feita, Sancho veste- se com os trajes reais e pune o antagonista em nome do rei, faz de sua amada viúva e herdeira legítima da fortuna de Don Tello e com ela se casa.
Importante notar ainda as palavras do próprio artista: O processo não é nunca de soma, mas de síntese.
(*) LIMA, Mariângela Alves. Flávio Império e a Cenografia do Teatro Brasileiro In HAMBURGER, Amélia Império; KATZ, Renina (Org.). Flávio Império. São Paulo: Edusp, 1999.
DIREÇÃO MUSICAL DAMIANO COZZELLA PRODUTORES CLECY MARQUES BRAGA HELENA ...